GARIMPOS DO INTERIOR
– Tô cansado de tanta frescura. Não tem onde comer nessa cidade!
– Tá doido, Dito? Essa é a cidade com mais opções o Brasil. Se bobear até no mundo. Todo mundo só fala disso. Parece que é por isso que esse povo todo mora aqui…
– Mas não tem comida! O que tem são uns rococózinhos metidos a comida. É um tal de cozinheiro metido a artista transformando a comida numa esculturinha enfeitada com um molho disso, uma pitada daquilo, “toques” de nunseiquê, gotas de nunseiquelá. É lindo de ver, mas não é pra comer.
– E o que que você quer, homem de Deus? Isso faz parte. É pra justificar os preços. Assim parece que levou horas pra fazer, que é coisa de artista mesmo. Mas a gente pode porque agora estamos numa boa.
– O que eu quero mesmo é aquela comida que tinha lá na roça, com carne da boa, feijãozinho tropeiro, aquelas verduras trazidas da horta mesmo, aquela polenta de fubá caseiro, aquela farofinha… Tudo sem nenhuma frescura e com um montão de gosto. Dá até pra sentir o cheiro! Tá guardado aqui na cachola!
– Pois então a gente pode ir comer lá no restaurante que um dia já foi da Angelita Gonzaga, que manda muito bem nas comidinhas caipiras – rabada, canjiquinha, vaca atolada, essas coisas.
– E que raio de amiga é essa que eu nunca ouvi falar?
– Não é que ela seja amiga, ainda, mas vai ser. Dizem que todo mundo vira amigo dela, ué… Mas o que interessa é que antes de abrir seu Arimbá, ela abriu um restaurante numa casinha ali dos lados da Lapa com a Jô, uma médica que também é amiga dela, e que tem tudo isso que você quer e um bocadinho mais. Chama-se Garimpos do Interior.
***
– O que é que cê tanto olha nesse cardápio, afinal?
– Tudo. Tô quase comendo ele. Nem sei por onde começar.
– Começa do começo. Tá escrito ali: “Punhados para começar”…
– Sei… mas olha só o que tem pra começar: bolinhos de vaca atolada, bolinhos de feijoada com couve, pastel de angu com carne ou queijo canastra… Se eu começar por isso eu vou terminar onde?
– Deixa de onda e pede logo. E aproveita pra já escolher o prato.
– Tô vendo aqui, mas tá feia a coisa. Tô em dúvida e pelo jeito vou continuar. Tem rabada cozida com batata doce, batata inglesa, agrião, arroz, angu, feijão e farofa. Tem feijão-tropeiro com bisteca, farinha de milho, ovo, couve, torresmo, arroz e banana-da-terra. Tem feijoada feita com feijão-manteiga. Tem leitão na lata com arroz, feijão-preto, farofa e couve. Tem frango com ora-pro-nobis… Acho que vamos ter que passar uns dias aqui. E que coisa é aquela que acabou de passar por ali?
…
– O garçom disse que é um leitão “um pouco diferente”, um pedação de porco cortado de um jeito especial, que vem a costela, o lombo e a barriga à pururuca e que vem com arroz, feijão, couve, farofa e um molho especial da casa. Mas anda logo. Escolhe logo um e vamos comer.
– Um?! Como assim, um? Eu não vou dividir com você.
– Mas disseram que é muito, que dá pra dois, fácil. A gente pede a entrada, pede um prato e, se você agüentar, pede mais alguma coisa.
– Nã-nã-ni-nã-não! Como assim, “se” eu aguentar? Pra começar, depois da entrada, eu estava pensando em pedir um e ajudar a escolher outro pra você, que assim eu ainda pego um pouquinho do seu.
– Pelo menos cê não vai mais reclamar que não tem comida…
– Nunca mais. Será que não dá pra misturar tudo isso num prato só?
***
– Vambora, Dito! Chega por hoje, né?
– Ai…
– Vambora antes que cê peça o divórcio e queira ficar por aqui. Falei que cê não ia agüentar comer tudo aquilo.
– Aguentar eu agüento. Eu não consigo é parar de comer. Mas tá tudo tão bom… tudo molinho, temperadinho, essas mesinhas coloridas, esse quintal com horta, essas bananeiras, esse solzinho batendo, esse Cartola cantando…
– Vambora!
– Agora não dá. Preciso de um tempo pro juízo voltar pro lugar dele. Pede mais um doce que eu vou tomar mais uma cachacinha.
– Não dá, não cabe. Eu até queria uma cocada cremosa, mas já me enchi de ambrosia e desse dueto mineiro, com goiabada, queijo e doce de leite. E você também já abusou das cachaças.
– Qual o quê! Cê já viu essa prateleira? Tem umas duzentas cachaças diferentes! Tem até cachaça preta feita de cana crioula! Mas tudo bem, esse calor tá pedindo mesmo uma cervejinha…
***
– Agora faltava só um cafezinho, daqueles feitos com o bule fervendo água no fogão de lenha, canequinha de ágata, coador de pano…
E não é que tem??