E O MUNDO SE DERRETEU PELO FONDUE
Em algum momento do inverno, entre um casaco esquecido no armário e o primeiro “ai que frio”, surge ela: a panela de fondue. Pequena, charmosa, borbulhante. É quando a cidade começa a se aquecer na base do queijo derretido e de uma calda de chocolate escorrendo. Nada mais justo para um prato que nasceu da escassez — e que hoje virou símbolo de fartura, status e encontros que valem pelas histórias que ficam, em uma mesa em que o afeto é o ingrediente principal.
Sim, o fondue virou eventinho. Mas ele já foi só sobrevivência.
Um queijo duro de roer
Conta a história que o fondue surgiu nos Alpes suíços, numa época em que os invernos eram rigorosos e as opções no prato, insuficientes. Os camponeses, de tanto encarar queijos duros feito pedra, tiveram uma ideia brilhante: derreter o bicho com vinho branco, mexer sem parar e mergulhar pão velho ali dentro. Pronto: nasceu o fondue. Uma receita feita para reaproveitar o que se tinha.
Avançamos algumas décadas e a receita rústica foi promovida a símbolo nacional. Lá nos anos 1930, o governo suíço (em parceria com a indústria do queijo, claro) resolveu que o fondue seria o embaixador gastronômico da pátria. E ele viajou longe.

Da Europa para a América do Norte
Nos anos 1960, o fondue desembarcou nos Estados Unidos e, como tudo que chega à América Anglo-Saxônica, ganhou um brilho diferente. Foi romantizado, estadunizado, gourmetizado. Ganhou trilha sonora de jazz e luz baixa. Virou jantar de casais modernos e ícone de festa refinada. Veio parar no Brasil como quem vem fugido do frio. E, ao se instalar em São Paulo, encontrou um lar perfeito: a cidade onde qualquer desculpa vira evento gastronômico.
O Fondue Paulistano
São Paulo se apaixonou pelo fondue. Primeiro nos endereços chiques, nos salões de madeira escura dos Jardins, nas mesas bem-postas do Morumbi, nos bistrôs onde garçons sussurram o cardápio. Depois, foi ganhando versões mais democráticas — e criativas.
Hoje, tem fondue na Zona Norte, fondue vegano, fondue com carne de wagyu, fondue com doce de leite e paçoca. Tem fondue no rooftop com vista para os arranha-céus e tem fondue servido dentro de pães italianos no food truck da esquina.
Verdade seja dita: essa panelinha que nasceu da carência virou estrela de cardápio em muitos cantinhos sofisticados da cidade. E sejamos justos — todos nós, de vez em quando, embarcamos nesse prazer meio contraditório de pagar caro por algo que surgiu justamente para economizar. Mas São Paulo tem esse talento: transforma simplicidade em experiência, e a gente adora fazer parte do ritual.

O fondue que junta gente
Fazer fondue em casa tem seus encantos: é o anfitrião que menos cozinha e os convidados que mais se envolvem. Cada um com seu garfo comprido, sua paciência oscilante e aquela ansiedade coletiva pelo ponto certo do gruyère ou do chocolate. A panela borbulha no meio da mesa, e o que acontece em volta dela vai muito além da receita.
Tem fondue que é desculpa pra reencontro, outros que já começam com segundas intenções — como aquele “jantarzinho” armado pra aproximar a melhor amiga do irmão do namorado. Tem fondue em grupo pequeno, pra rir, sujar a toalha e queimar a língua em conjunto. É o tipo de prato que envolve todos, literalmente, e transforma qualquer noite em partilha.
Como escreveu a chef Laura Conti, “fazer uma reunião em casa e servir fondue significa receber amigos dentro de um clima de serenidade, com alimentos frescos e deliciosos e muito pouco trabalho para os anfitriões. Mas nem tudo é perfeito: servir fondue pode ser sinônimo de bagunça, sujeira, língua e dedos queimados…”
E talvez seja exatamente por isso que a gente gosta tanto.

Derretendo regras: receitas criativas pra fazer em casa
Se o preço anda salgado, derreta você mesmo! Aqui vão ideias de fondues nada convencionais, com um pezinho em São Paulo:
Fondue da Vila Madalena (versão vegana e estilosa)
1 batata-doce cozida, 1 xícara de castanhas-de-caju hidratadas, azeite trufado, limão e levedura nutricional.
Bata tudo até ficar cremoso. Sirva com legumes grelhados e torradas com gergelim preto.
(Se for pra fazer em casa, que seja um fondue conceito.)
Fondue da Mooca (versão doce)
Chocolate meio amargo + doce de leite + um toque de cachaça envelhecida.
Mergulhe pedaços de banana, figo e canudinhos de goiabada.
(Paulistano que é paulistano honra as origens: mistura tudo mesmo.)

Onde provar (e pagar… ou pelo menos dividir a conta)
🍫 Tradicionais e irresistíveis
Era Uma Vez Um Chalezinho (Morumbi e Itaim): cenário alpino, clima de cabana, e fondue de pistache que virou febre no Instagram.
Hannover (Moema, Perdizes, Tatuapé): rodízio de fondue com carne, queijo e chocolate — e muita diplomacia na escolha dos molhos.
🍷 Sofisticado com pegada francesa
Bistrot de Paris (Jardins): fondue de queijo suíço clássico com pães crocantes e atmosfera de “estive em Montreux e voltei”.

No fundo, no fundo…
O fondue é quase uma terapia: a gente espera, mergulha, compartilha. Ele nos obriga a parar, a sentar à mesa e dividir o tempo. E talvez seja por isso que, mesmo com preços que assustam e molhos que respingam, a caquelon, essa mágica caçarola, seja um objeto de desejo tão encantador.
Seja com queijo nobre, pão francês do dia anterior ou doce de leite da despensa da avó, o fondue é um lembrete gentil de que comensalidade – o comer junto – é fortalecer laços; é sempre, um gesto de carinho.