Pedro Schiavon | 07/07/2023 | 0 Comentários

ADALBERTOLÂNDIA

“E agora, de repente, vinha um homem que fazia o milagre de o chamar para viver uns dias junto a um verdadeiro carrossel, movendo com ele, montando nos seus cavalos, vendo de perto rodarem as luzes de todas as cores. E para o Sem-Pernas, Nhozinho França era um ser extraordinário, algo como Deus, como Xangô, porque nem o padre José Pedro e nem mesmo Don”Aninha seriam capazes de realizar aquele milagre… (trecho de Os Capitães da Areia – Jorge Amado)

Lembrei-me desta parte dos Capitães da Areia ao conhecer a história de um parquinho em Perdizes, criado e mantido há mais de 40 anos por um senhor em seu próprio terreno, mas aberto para todos aqueles que queiram brincar.

No livro de Jorge Amado (quem não leu que corra para corrigir esta falta gravíssima), os “capitães” são adolescentes que vivem na rua, amadurecidos pela dureza da vida, mas que agem como crianças diante de um luminoso carrossel, possibilitado a eles por seu dono por alguns minutos para que, pela primeira vez em suas vidas, pudessem realizar fantasias e sonhar serem cowboys sobre cavalos de verdade.

Essa é a sensação que nos invade quando nos deparamos com o terreno de 400 metros quadrados onde Adalberto Costa de Campos Bueno criou, em 1969, um pequeno refúgio para crianças de todas as idades, com árvores frutíferas, trilhas e muitos brinquedos. E o principal: gratuito.

Adalberto era publicitário e viveu 17 anos, a trabalho, na Califórnia. De volta, investiu seu talento criativo em um terreno pertencente à sua família, transformando-o num parquinho e exercitando seu hobby de marceneiro amador na elaboração e montagem dos brinquedos.

O primeiro a ser feito foi o Castelinho, seguido pelo Carrossel. Depois vieram gangorras, balanços, um mirante, a Casa do Tarzan e muito mais, tudo feito sobre brinquedos reformados, sucatas, muito carinho e dedicação.

Não bastasse isso, ele criou trilhas sinalizadas, plantou diversas árvores frutíferas e foi encampando pequenos detalhes como os bonecos de pássaros escondidos pelas árvores, um altarzinho para a santa que foi encontrada ali mesmo, uma lixeira que agradece quando jogamos o lixo no lugar certo e até a adoção da galinha Lady K, nova moradora do parque que se tornou o mais novo brinquedo da criançada.

O terreno, cada dia mais valioso, sempre foi alvo da especulação imobiliária. Ele já foi aconselhado até a doar para a Prefeitura para não ter mais despesas ou impostos, mas não fazia isso por nada, pois não acreditava que o parque seria mantido. Além disso, diz o homem cujo nome inspirou a criançada a batizar o local, o objetivo da Adalbertolândia é proporcionar sonhos e alegria, e isso não tem preço.

A semente plantada está ali, bem representada numa frase escrita em uma placa: “Sempre podemos – e devemos – oferecer alguma coisa para os outros sem pedir nada em troca”. Uma lição de cuidado e confiança, que alimenta o dia a dia de todos que frequentam o local.

Os frutos também estão lá, no sorriso das crianças, na lembrança de cada pai que também já foi criança e até daqueles que hoje já são avós, mas que chegaram a viver ali, na mesma Adalbertolândia, todas as suas aventuras e fantasias.

Um discreto recado no balanço deixa claro quem colhe tudo isso: “Só para pessoas de até 100 anos”. Que a infância dentro de todos dure até lá!

* Adalberto Bueno, fundador e mantenedor da Adalbertolândia, nos deixou no dia 19 de março de 2022, aos 94 anos. A família ainda não informou se a Adalbertolândia será mantida como foi criada pelo agora saudoso Adalberto.

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