CAFÉ PALHARES (BELO HORIZONTE/MG)
Dizem que, como em Minas não tem mar, mineiro toma banho de bar. Verdade ou não, o fato é que para ajudar a manter essa tradição e comemorar os cinco anos da conquista do título de Cidade Criativa da Gastronomia, a Prefeitura de Belo Horizonte lançou, no final de 2024, por meio da Belotur e em parceria com o Sebrae Minas, o projeto ‘Bares com Alma’, um inventário de 30 estabelecimentos icônicos e tradicionais que contribuem para a rica história gastronômica da capital mineira.
Aos poucos, o Lugarzinho irá reproduzir aqui cada um deles, mas quem quiser conhecer a bela iniciativa da Prefeitura de BH pode dar uma passeada por aqui: https://portalbelohorizonte.com.br/barescomalma
No Lugarzinho, começaremos com o Café Palhares, que há alguns anos já havia sido mencionado aqui pela gentil indicação do querido e saudoso Agnaldo Timóteo – https://lugarzinho.com/agnaldo-timoteo/ – que não poupou elogios à casa.
Então vamos lá:
CAFÉ PALHARES
Com 86 anos de idade e muita história para contar, eis aqui o criador e guardião de um dos pratos feitos mais icônicos da culinária popular dos trabalhadores do centro de Belo Horizonte – um baluarte da cultura boemia da cidade!
“Meu avô foi quem criou tudo: o Kaol e o Café Palhares que a gente conhece agora. Quem sustentou isso até hoje, foi meu pai e meu tio”
André Ferreira, neto do Seu Nenem e atual administrador
Quem conhece ou quer conhecer mais sobre a cultura alimentar de Belo Horizonte, não poderá passar ileso do Kaol, a notória mistura entre “kachaça” (com k mesmo), arroz, ovo e linguiça – uma base única para uma diversidade de versões possíveis. Hoje, já incorporado ao imaginário coletivo da cidade e recriado em muitos locais, a receita, diferente de muitas outras do saber popular, tem um marco claro na história. Foi criada na década de 1950 pelos mais ativos membros da família Ferreira, fundadores do Café Palhares.
A elaboração do conceito do prato e de seu marcante nome ocorreram com colaboração do célebre jornalista e poeta Rômulo Paes, autor da famosa frase “Minha vida é essa, subir Bahia, descer Floresta”, imortalizada no monumento em frente ao Museu Inimá de Paula, na esquina da Rua da Bahia com Guajajaras.
O prato se tornou uma assinatura desta casa, uma das mais antigas do centro da cidade. A presença de Paes não era avulsa, na segunda metade do século XX, o estabelecimento era conhecido como “Quartel General dos Esportes”, frequentado por diversos jornalistas, atletas e boêmios, especialmente por sua localização estratégica em frente a um grande hotel, hoje ocupado por uma importante loja de artigos para festas da capital. O hotel era estadia comum dos atletas que vinham disputar na cidade alguma peleja ou título, e sua vasta clientela de jornalistas vinha da diversa fauna de veículos de imprensa (de rádio ou mídia impressa) que ocupavam a região do centro da cidade. Tal freguesia, é de se esperar, sempre garantiu que o bar tivesse constante espaço na imprensa e no boca a boca das gentes. O Café Palhares tornou-se, portanto, um marco zero de muita informação, visto que era ali onde se criava, ouvia e repassava tantos casos da capital.
Até a década de 1970, o bar tinha caixas de som voltadas para a rua, onde se ouviam transmissões de jogos de futebol e notícias da guerra, fazendo do ambiente um ponto de encontro para quem queria estar por dentro dos acontecimentos. Se firmando mais ainda como um reduto da comunicação mineira, foi ali também onde se instalou a primeira televisão pública da cidade, recebida do exterior por um parente do dono, que preferiu colocá-la para usufruto de seus clientes do que na própria casa, lotando a calçada de curiosos e os livros de história de marcantes fotografias. A Rua Tupinambás, berço do Palhares, abarca também outros antigos negócios da cidade, como a clássica Sapataria Americana e o Armarinho Nova Seda, que se mantêm ativos há décadas, colaborando e se beneficiando da movimentação.
Até mesmo o mais solitário dos fregueses encontra ali uma companhia no movimento, nas convidativas banquetas em busca de um parceiro para contar histórias e brindar um chope. Quem ousar sentar-se ao redor do balcão em U, terá em sua frente um palco, podendo apreciar com os próprios olhos a dança da montagem de um dos pratos mais tradicionais da cultura alimentar do centro de Belo Horizonte . O KAOL servido ali conta com variações de pernil, carne cozida, língua, dobradinha ou até uma dupla de ovos estalados para não deixar de fora os vegetarianos. O prato é tombado como patrimônio imaterial de Belo Horizonte, e a versão atual, servida mais de 400 vezes por dia, conta com farofa de feijão, couve refogada e torresmo, sem deixar de lado a clássica cachacinha para abrir o apetite. É, sem dúvidas, o carro-chefe da casa, posição reafirmada pelos diversos escritos espalhados pelo local, mas é longe de ser a única opção. O cardápio é recheado de opções dignas de prêmios, desde petiscos até salgados de estufa para forrar o estômago na correria do cotidiano.
André, neto do fundador e sucessor direto do seu pai, Luiz Fernando, e do seu tio, João Lúcio, é o atual administrador e garante que cada detalhe esteja como esperado para os novos e antiquíssimos frequentadores. Desde a cozinha, sempre movimentada, até o serviço impecável de chope, a dedicação da família é evidente, e é refletida nas paredes do bar, decoradas com prêmios que atestam a qualidade e a relevância do Café Palhares na cena gastronômica da cidade.
Com 86 anos de existência, o Café Palhares continua a ser um refúgio da memória afetiva em pleno Centro da cidade, resgatando uma saudosa sensação mesmo naqueles que não viveram os tempos de sua origem. Hoje, passou por uma ampliação, contando com mesas na calçada, o que garante maior rotatividade de clientes que podem contar com mais conforto na sua estadia. É um dos raros bares com a honra de ter um ponto de ônibus na porta com seu nome, confirmando a parada obrigatória ali para moradores e turistas.
CAFÉ PALHARES – Rua dos Tupinambás 638, Belo Horizonte. Tel (31) 3201-1841