Pedro Schiavon | 25/08/2023 | 0 Comentários

CANTINA PIOLIM

As coisas acontecem, aconteceram, ficam acontecidas. Elas nunca desacontecem nem voltam a acontecer. Porém, há lugares onde acontece tanta coisa que eles se tornam especiais para sempre, conservando em seu astral um pouco de tudo que se passou por lá.

Um desses lugares é o Piolin, clássica cantina do sempre reavivado Baixo Augusta, cuja história terá que ser contada em três etapas.

1- A Cantina d’Amico Piolin

O Piolin nasceu nos anos 70 como Cantina d’Amico Piolin, criada e cuidadosamente planejada por José Alves de Godoy, o “Mosquito”, até então funcionário do clássico Gigetto. Para a empreitada, trouxe a companhia de três colegas: João de Souza – o “Temente”, Luis de Campos Gonçalves – o Luisão e Olinto Nunes – o Piolin.

A cantina, que logo caiu no gosto do público, ocupou outros dois endereços da mesma Augusta, carregando para onde fosse um público cativo formado principalmente pela “turma do teatro”, que nunca deixou de passar por ali após os espetáculos.

Desta época, mantém-se até hoje receitas exclusivas da casa, como a da lasanha à romanesca, criada pelo próprio Mosquito com creme branco, ervilhas, presunto e champignon.

2- O Spazio Pirandello

O Pirandello ficava na casa de nº 311 da Augusta e era o onde tudo acontecia em São Paulo na primeira metade dos anos 80. Criado pelo ator e cozinheiro Antonio Maschio e pelo jornalista Wladimir Soares, a casa reuniu a nata da “boemia de esquerda” da cidade durante meia década.

Para Ignácio de Loyolla Brandão, “o Pirandello era um bar, restaurante, antiquário, brechó, livraria, clube privê onde todos eram sócios, sala de visitas da minha, da sua, da casa de todos nós, ponto de encontro, lounge, sala vip”. Para Mario Prata, “era uma extensão de casa – ou talvez nossas casas que deviam ser extensões de lá”.

A presença dos escritores era tão marcante que os dois, ao lado de Joyce Cavalcante, José Márcio Penido, Luiz Roncari, Reinaldo Moraes e Caio Fernando Abreu, escreveram um livro intitulado “Contos Pirandellianos – 7 Autores à Procura de um Bar”, divertido trocadilho com o titulo de uma das obras mais famosas do italiano Luigi Pirandello.

Além deles, atores e diretores teatrais, artistas de todo tipo, jornalistas, intelectuais e, claro, os recém-anistiados políticos que voltavam para o Brasil seguiam direto para suas mesas.

Diz a lenda que, por essas e outras razões impublicáveis, foi naquele espaço, habitado por tão ilustre figuras, que surgiu o embrião e o impulso do que viria a ser a campanha das “Diretas Já”, que se tornaria a grande responsável pela redemocratização do país. Mas isso já é uma outra história…

3- A Cantina Piolin

Pouco depois da morte do Pirandello, o Piolin mudou-se para lá, guardando entre as massas italianas um pouco do espírito que ali habitara. E trouxe toda sua bagagem, despejando ali um cardápio sem frescuras e sem grandes inovações, mas competente e muito honesto, em todos os sentidos.

O casarão mantém o clima “casa de família e de amigos” que sempre o acompanhou, com mesas grandes, decoração “cantineira” e um público para lá de diversificado, que acolhe casais, senhores, crianças e famílias inteiras – em sua maioria frequentadores assíduos – e, claro, a turma do teatro, que não arreda pé de lá e à noite se faz maioria.

Parte do segredo é a simpatia do Mosquito, que segue por lá, e agora de sua filha Regina, que assumiu o comando dos fogões. Mas outra parte, sem dúvida, são os pratos – saborosos e generosos – que não deixam ninguém sair da casa de mal humor.

Entre boas opções de massas, carnes, aves, saladas e até pizzas, a já citada lasanha à romanesca costuma ser a campeã dos pedidos, mas tem concorrência séria do mais trivial dos pratos: o Picadinho à Cocó, feito com filé-mignon em cubos, milho, cebola, tomate, banana à milanesa, ovo frito e arroz.

Outros pratos muito procurados são o Filet da Regina, um filet recheado criado pela nova timoneira, e o rondeli recheado com presunto, mussarela, ricota, uvas passas e nozes.

Há mais de 90 anos, em 1929, os artistas modernistas Mário de Andrade, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade homenagearam o palhaço Piolin com um evento denominado “Almoço Antropofágico”, realizado no salão de chá do Mappin. Como os antropófagos acreditavam que comendo seus inimigos iriam adquirir suas qualidades, o ato máximo do evento era “comer Piolin”, absorvendo assim toda a genialidade do artista.

A nós – descrentes de tais poderes – cabe “comer no Piolin”, o que já é prêmio mais que suficiente.

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