DHARMA TURISMO (São Paulo/SP)
Com o objetivo de inspirar e promover avanços nas discussões e práticas sobre turismo responsável e sustentável no Brasil, o Ministério do Turismo – MTur e o Centro de Estudos de Turismo e Desenvolvimento Social (CETES/USP) lançaram o livro “Turismo Responsável: resultados que inspiram”, de autoria de Marianne de Oliveira Costa, Ana Rosa Proença, Karina Toledo Solha e Gustavo Pereira Pinto. Elaborado pelo Instituto Vivejar, com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, o livro reúne 10 exemplos de iniciativas comprometidas com um turismo de impactos positivos em território nacional. Uma delas é o Dharma Turismo, cuja matéria reproduzimos abaixo.
Mas independentemente de ler esse trecho aqui no Lugarzinho, vale a pena demais você ler o restante do livro, que traz todas as iniciativas selecionadas e um amplo contexto em que nasce e se desenvolve o movimento do Turismo Responsável, além de muitas dicas de como empresas, destinos, organizações e viajantes podem começar a colocar a responsabilidade em prática e motivações para serem adotadas durante o processo. Divirta-se!
DHARMA TURISMO (São Paulo/SP)
“Valorizamos a cultura regional, interiorana e, principalmente, a afrocentrada. Turismo é para todos, todas e todes – e não tem idade!”
Luciana Antonio sempre gostou de viajar e de prestar atenção nos lugares que visitava. Em 2014, graduou-se em Turismo e, em seguida, fez cursos de agente de viagens, turismo cultural e guia de turismo. No fim deste último, em 2019, decidiu abrir uma agência de turismo.
“Dharma, em sânscrito, quer dizer ‘dom’, ‘instinto interior’. E o meu sempre foi conhecer o mundo, por isso escolhi esse nome para a minha agência, ‘Dharma Turismo’”.

Seu sonho é proporcionar experiências turísticas. Começou montando e levando grupos para lugares que já tinha visitado, com foco no turismo regional no Sudeste. Sempre que falava sobre viagens pelo Brasil, as pessoas logo mencionavam o Nordeste e, ao mesmo tempo, reclamavam que é caro e que não têm condições de ir para lá.
Luciana percebe que no Sudeste existem muitos atrativos, sobretudo na região de São Paulo, e que o interesse por ele cresceu muito depois da pandemia de covid-19. A agência oferece roteiros saindo da cidade de São Paulo, voltados ao etnoturismo, com itinerários como o Quilombo da Fazenda, em Ubatuba (SP); o Centro Cultural Zumbi dos Palmares, em Taubaté (SP); e o Quilombo Cafundó, em Salto de Pirapora (SP). Há também roteiros voltados ao turismo rural, como a Rota dos Vinhos, em Itupeva (SP); e outros como a Expoflora, em Holambra (SP), e o roteiro de compras em Jacutinga (MG) e Monte Sião (MG). A maior parte dos roteiros são de um dia, e pelo menos metade das viagens e dos passeios oferecidos são afrocentrados.
Sua comunicação é feita por mídias sociais como o Instagram, o Facebook e o WhatsApp. Luciana percebe que o Instagram alcança o público mais jovem, mas o WhatsApp é o canal utilizado para atrair o público mais maduro, conversar com suas clientes e fechar vendas. Por meio dele é mantido o contato próximo com as clientes e recebe mensagens de agradecimento depois dos passeios. Ainda concilia a agência com outro emprego, como agente administrativa em uma Unidade Básica de Saúde (UBS). Muito trabalho relacionado à agência é feito no metrô – durante os trajetos de ida e volta ao trabalho –, no horário de almoço, quando chega do trabalho e nos fins de semana. Por isso, ainda não consegue realizar viagens com a frequência que gostaria.
Com o tempo, Luciana foi se incomodando quando, em excursão, as pessoas estavam mais preocupadas em tirar fotos do que em ouvir a história contada pelo guia. Apesar de ainda fazer passeios para destinos comuns, como a Rota do Vinho, começou a oferecer experiências de turismo de base comunitária, em que as pessoas param para ouvir a história, fazem alguma atividade manual em coletivo, colocam a mão na terra. Por mais que fotografar o lugar faça parte da viagem, seu objetivo é possibilitar que as pessoas aproveitem o local, mas também que percebam a riqueza além das paisagens, que reconheçam as pessoas que moram ali e suas histórias. Nos roteiros de turismo rural e/ou de base comunitária, como em quilombos, a Dharma Turismo prioriza realizar o máximo de serviços com a comunidade – por exemplo, as refeições –, porque uma das preocupações é contribuir para a economia local.
“Quando eu faço um roteiro, gosto de oferecer o café da manhã, o almoço e a janta no local, para não ter uma parada e para aumentar a renda local. Ao mesmo tempo, é lógico, tenho todo o cuidado com os meus clientes. Sempre pergunto se a pessoa tem alergia, se é vegana, se é vegetariana… Eu coloco nos formulários de reserva e em todas as comunidades funciona, eles adaptam tudo o que precisa. Muitas vezes a pessoa que é vegana sofre muito em viagem, né?! Nessas comunidades, não! É cada banquete! É muito bom!”
Essa responsabilidade com a alimentação faz com que os comunitários também prestem mais atenção nisso, o que chama a atenção dos clientes, que acabam voltando, querendo outras experiências. Por isso, o trabalho da agência é sempre realizado em conjunto com as comunidades e, ao mesmo tempo, mantendo um diálogo aberto e transparente com os clientes, possibilitando ajustes nas atividades conforme necessidades – por exemplo, se a pessoa não puder ficar muito tempo em pé ou sentada, se não puder andar muito. A maior parte do público da agência é de mulheres. Geralmente, são mulheres que trabalham, solteiras (ou separadas), independentes, aposentadas e acima de 60 anos. A grande maioria é preta e, apesar de nunca ter feito ações específicas nesse sentido, Luciana acredita que suas clientes podem se identificar com ela, que também é mulher, preta, solteira e independente.
“Desde o final de 2019, cerca de 200 mulheres já viajaram comigo. No fim das experiências, todas saem muito satisfeitas: as clientes e a comunidade que recebe também. Todo mundo sempre é muito bem recebido, acho que tem uma boa integração e eu mesma sempre me sinto beneficiada. Quando retornamos, sempre recebo mensagens de agradecimento, mensagens emocionadas. Aí a gente sente que foi uma parceria bem-feita.”
Seu público demonstra verdadeiro interesse em seu trabalho, e quando fazem seus roteiros por mera curiosidade, sempre acabam voltando. Assim, Luciana conclui que já são pessoas conscientizadas ou se conscientizam durante a viagem ou o passeio. E isso é fruto da aplicação de seus aprendizados decorrentes dos cursos e das trocas de experiências.
“Uma coisa que eu faço nas minhas viagens é levar uma sacola ecológica com o meu logo para as pessoas. Quando for comprar alguma coisa, ao invés de pegar a sacolinha plástica, usar a sacola ecológica. Elas ficam a viagem inteira com a sacola! O que é muito bom, além de ser uma propaganda, né?! Reforça a marca e ainda causa impacto positivo! Olha, foi um bom investimento que eu fiz!”
Luciana entende o turismo de base comunitária e o turismo rural como movimentos que remetem à ancestralidade.
“A minha avó, mineira da roça, contava os causos dela e está aqui em São Paulo há muito tempo. Um dia, descobri que a fazenda em que ela trabalhou, quando era nova, é o Menino da Porteira, que tem lá em Minas Gerais, e eu falei: ‘Gente, o negócio é turístico hoje em dia e a minha avó trabalhou ali?!’ Então, tem tanta coisa para gente viver e conhecer! E tento transmitir isso para as pessoas, que há riqueza em todo lugar!”
Com o conhecimento sobre a cultura afro e com o avanço das discussões sobre o afroturismo, Luciana percebe que empreendedores e empreendedoras têm se beneficiado. Em roteiros afrocentrados, por exemplo, já realizou oficinas de turbantes, de ervas, de Abayomi. O público, nessas ocasiões, mesmo fazendo o próprio turbante, o próprio incenso, a própria boneca Abayomi, também consome produtos expostos pela comunidade para venda, como óleos de massagem, porta-incenso, incensos feitos com ervas, produtos de crochê, macramê, estampas de turbante, bonecas Abayomi.
Para a Dharma Turismo, experiências como essas permitem o conhecimento de diferentes culturas que existem pelo Brasil, saindo um pouco do eixo europeu, e colocam em evidência histórias e tradições ancestrais que as pessoas desconhecem.
“Viver uma experiência turística e responsável é muito diferente, porque fica aqui na memória! E você leva pra frente.”
A parte mais desafiadora da implementação do Turismo Responsável, na perspectiva de Luciana, é fazer parcerias com empresas, instituições e pessoas verdadeiramente compromissadas – e não só da boca para fora. Às vezes, por terem feito um curso ou recebido um certificado, já se autodenominam responsáveis. Mas se esse pedaço de papel está guardado e os aprendizados não foram aplicados em lugar nenhum, como podem ser realmente consideradas responsáveis? Ao montar a programação de uma viagem, por exemplo, existem diversos aspectos que precisam ser determinados, como o transporte, a hospedagem, onde comer, o que conhecer. E saber se todos eles são responsáveis é muito difícil. A certeza mesmo talvez nunca se possa ter, mas é preciso que cada um faça sua parte, esperando que seu parceiro também faça aquilo que está se propondo a fazer. No Turismo Responsável, é preciso ter um pouco de fé.
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O que aprendemos com o caso da Dharma Turismo?
A preocupação com a escuta, tanto das comunidades como dos clientes, entendendo as necessidades e as possibilidades de modificar uma atividade ou um roteiro para acolher a todos.
Buscar fomentar o aumento da renda local a partir da oferta de experiências “adicionais”, como a inclusão de refeições oferecidas pela comunidade no pacote turístico.
Enaltecimento das pessoas e das histórias locais.
Preocupação com a responsabilidade dos parceiros.
Qualificação profissional constante, cujos aprendizados sejam aplicados no negócio.
Proposta de sacola retornável (ecobag) com a logo da empresa – um brinde que pode ser usado durante a viagem.
Turismo regional no Sudeste, em áreas menos conhecidas do estado de São Paulo.
Apesar de não ter nenhum projeto específico voltado à sustentabilidade, Luciana sempre leva sacos de lixo para as vivências. Depois que todos ajudam a recolher o lixo, ela se preocupa em separar os recicláveis e destiná-los corretamente.
R. Maria Daffre – Vila Prudente, São Paulo – SP
Telefone: (11) 99632-6472