MOVA EXPERIÊNCIAS (São Luís/MA)
Com o objetivo de inspirar e promover avanços nas discussões e práticas sobre turismo responsável e sustentável no Brasil, o Ministério do Turismo – MTur e o Centro de Estudos de Turismo e Desenvolvimento Social (CETES/USP) lançaram o livro “Turismo Responsável: resultados que inspiram”, de autoria de Marianne de Oliveira Costa, Ana Rosa Proença, Karina Toledo Solha e Gustavo Pereira Pinto. Elaborado pelo Instituto Vivejar, com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, o livro reúne 10 exemplos de iniciativas comprometidas com um turismo de impactos positivos em território nacional. Uma delas é a Mova Experiências, cuja matéria reproduzimos abaixo.
Mas independentemente de ler esse trecho aqui no Lugarzinho, vale a pena demais você ler o restante do livro, que traz todas as iniciativas selecionadas e um amplo contexto em que nasce e se desenvolve o movimento do Turismo Responsável, além de muitas dicas de como empresas, destinos, organizações e viajantes podem começar a colocar a responsabilidade em prática e motivações para serem adotadas durante o processo. Divirta-se!
MOVA EXPERIÊNCIAS (São Luís/MA)
“Não vamos conseguir fazer um turismo sustentável invisibilizando as pessoas.”
A Mova Experiências é uma agência de viagens e de mudanças – assim a sua líder a apresenta – que trabalha com turismo como um ato pela Terra. Seus projetos e planos são desenhados a partir de três pilares: o território, as comunidades que habitam esses territórios e os clientes. Pois tudo acontece nessa relação. Rutti Cutrim, idealizadora da agência, é de São Luís do Maranhão e formada em Turismo. Desde a faculdade uma inquietude a acompanhava: desejava ver a autêntica identidade maranhense protagonizando o turismo no Maranhão, e isto lhe moveu a empreender. Durante a pandemia, teve a oportunidade de olhar para suas ideias, suas crenças e seus valores. Fez o primeiro curso de Turismo Responsável oferecido pelo Instituto Vivejar e, além de ter aprendido muito, integrou uma rede de pessoas de todos os cantos do Brasil que atuam, de alguma forma, com o Turismo Responsável.
Estar em rede fortaleceu a tese de uma outra inquietude sua: o Maranhão é Amazônia e abriga o maior corredor de manguezal do mundo – 60% deste ecossistema está na Amazônia Costeira Maranhense –, assim, o turismo precisa ser uma ferramenta de educação e preservação deste ecossistema. Promover, efetivamente, a Amazônia Maranhense no turismo pode ser inovador, porém vender o manguezal como produto turístico só é possível quando as pessoas e o seu cotidiano também recebem destaque.
“O propósito da Mova é investir nas pessoas das comunidades. Os grandes destinos turísticos daqui, do Maranhão, estão dentro de Unidades de Conservação, então é preciso reconhecer o território como ele é, inclusive quem habita esses territórios. Turismo Responsável é não sobrepor o turismo às pessoas, aos moradores locais, a quem nasceu ali, a quem vive ali.”
A vitrine, etapa final do primeiro curso de Turismo Responsável ofertado pelo Instituto Vivejar, em 2020, foi fundamental para a pivotagem da Mova, que nasceu no curso e assumiu em 2021 seu posicionamento no mercado turístico maranhense como uma agência de receptivo local. Hoje, está se especializando em ecoturismo de base local e atuando em parceria com comunidades de três destinos do Maranhão: Lençóis Maranhenses, Alcântara e Reserva Extrativista Marinha de Cururupu (Resex de Cururupu). Para a Mova, é imprescindível o protagonismo das comunidades, desde a construção e a apresentação do produto até, e especialmente, na vivência do cliente.
Apesar de ser liderada pela Rutti, em São Luís do Maranhão, a Mova é um negócio que só existe pela parceria e confiança das comunitárias e dos comunitários que se identificam com a tese do Turismo Responsável no Maranhão. E é na vivência, nas experiências turísticas com as comunidades, que os desafios e as oportunidades são experimentados para o alcance coletivo de um turismo de base comunitária (TBC) no Maranhão, bom para os territórios e para seus habitantes.
Ouvir as comunidades sobre o turismo que elas desejam para o seu território e reconhecer que cada comunidade tem as suas demandas é tão importante quanto administrar as expectativas do que pode ser alcançado diante dos desafios do mercado. Essas são trocas essenciais e contínuas na construção do turismo que a Mova e as comunidades desejam. Reconhecer esses destinos/experiências como turismo de base comunitária e remunerá-los de maneira justa pelo que ofertam não apenas é viável como também é indispensável para um turismo comprometido e responsável. Por exemplo, o Quilombo Itamata
tiua, comunidade tradicional de Alcântara que abriga a maior concentração de remanescentes quilombolas do Brasil, abre as portas para o turismo há mais de 20 anos. Mas foi na parceria com a Mova que a comunicação dos produtos e das experiências ofertados pela comunidade, bem como a remuneração, foram acordadas de maneira justa, colaborando para sua autenticidade e seu desenvolvimento local.
“TBC não é só levar turista para comprar um artesanato. Quanto vale conhecer o processo criativo de práticas artesanais que contam a história de sustento de uma comunidade quilombola da Amazônia Maranhense? Quanto vale aprender e experimentar com suas próprias mãos a sabedoria ancestral perpetuada por gerações de mulheres que manejam o barro e o transformam em arte? Eu respondo: comprar uma peça por um valor simbólico não paga toda a experiência.”
Outra boa prática de turismo da Mova é o exercício contínuo de consentimento da comunidade. A consulta prévia às comunitárias e aos comunitários sobre a disponibilidade para acolher a realização das experiências é essencial no agenciamento turístico da Mova.
“E eu já recebi vários “nãos” ao consultar as comunidades: “Não, não tem como te receber agora… Pode ser no outro final de semana?”, “Pode ser tal dia?”… Esse é um exercício de responsabilidade e de trazê-los para o centro da questão, além de respeitar o fluxo natural do seu cotidiano.”
Administrar as expectativas da Mova sobre o atendimento das comunidades também é parte da construção, assim como administrar as expectativas dos clientes. Essa prática move o viés educativo da Mova na sensibilização dos turistas que visitam as comunidades parceiras, a fim de que a experiência seja positiva para quem recebe e para quem visita, de modo a evitar o máximo possível de desconfortos. O trabalho da Mova também vai em busca do reconhecimento do valor da comunidade por parte de seus clientes e parceiros. E esse reconhecimento é financeiro também, pois cerca de 30% do que é recebido é direcionado diretamente às parceiras e aos parceiros das comunidades.
“Temos que parar de subestimar as pessoas das comunidades tradicionais e valorizar a sua sabedoria, que está em falta nos territórios não tradicionais. Os comunitários estão compartilhando conosco não só suas vivências, mas suas casas. Os clientes são importantes e querem ser bem-recebidos, não querem? Da mesma forma que ele vai ser bem-recebido, eu desejo que ele seja recíproco com quem o está recebendo. Não é o básico? Reciprocidade, respeito é o mínimo esperado, e é o que beneficia ainda mais a experiência.”
A empresa faz um trabalho de sensibilização de seus clientes, apresentando com detalhes a logística de deslocamento, as acomodações, a alimentação. Fala também sobre respeitar os ciclos naturais, como as marés, das quais dependem para fazer uma travessia de barco, por exemplo. Tudo isso se soma à experiência turística, inspirando o turista a observar, a escutar e se necessário, a se adequar, para praticar um Turismo Responsável.
“Por exemplo, receber veganos no trekking dos Lençóis Maranhenses é uma das maiores demandas de adaptação da alimentação – as comunidades estão no meio do “deserto”. Um caso que serve de inspiração: uma viajante vegana que passou três dias nos Lençóis Maranhenses comendo macarrão e salada, com as sementinhas dela, café e bolinho, sem reclamar. Ela estava bem consciente de que sua experiência era em um lugar remoto e isso poderia ser apenas um detalhe, e não um problema.”
Temas como boas práticas de consumo, justiça social, entre outros, sustentam a tese do Turismo Responsável e são conversados com grande parte do público que escolhe a Mova para viajar no Maranhão. Também é uma experiência divertida e educativa promover diálogos sobre sustentabilidade, sobre a história da comunidade, sobre como funcionam o turismo de base comunitária e o Turismo Responsável.
“Tem uma turma que se interessa, gosta muito dessa troca, de saber como o Turismo Responsável funciona, sobre os impactos. E tenho certeza de que eu planto várias sementinhas. Depois, essa turma vai viajar diferente!”
Além disso, seu público se preocupa em saber aonde o dinheiro dele está indo. Então chegar na comunidade, ver a estrutura, conhecer as pessoas e ter a percepção desse direcionamento na experiência é um ponto importante, é um critério para a viagem. Outro critério é visitar lugares que estão fora do fluxo e da pressão do turismo de massas.
Um desafio vivenciado pela agência é o fato de o turismo de base comunitária não ser o protagonista da promoção institucional do estado, mesmo diante da variedade de territórios biodiversos e comunidades tradicionais maranhenses. Isso dificulta o conhecimento de produtos já existentes e o trabalho de outras agências maranhenses de receptivo turístico que poderiam atuar na área.
“A Mova ainda recebe abordagens como: ‘Nossa! Não sabia que tinha esse tipo de turismo no Maranhão! Que bom que vocês trabalham assim!’.”
O diálogo com o poder público e com instituições de ensino vem se mostrando cada vez mais fundamental. A Mova se ocupa ativamente do estreitamento desses laços, para que o trabalho coletivo seja alcançado por meio da promoção e da implementação do ecoturismo de base local no Maranhão. Um exemplo é a colaboração da Mova na construção da Lei Estadual de Turismo de Base Comunitária, movimento liderado pela professora Mônica Araújo, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), e seu projeto de quase 10 anos pela implementação do turismo de base comunitária nos Lençóis Maranhenses – juntas, atuam pela defesa da regulamentação do uso sustentável dos territórios, equilibrando o bem-estar dos turistas, da comunidade e o cuidado com o meio ambiente.
O que aprendemos com o caso da Mova Experiências?
Remunerar de maneira justa a comunidade pelos serviços prestados, pelo tempo e pelas trocas, gerando impacto econômico local.
Administrar expectativas e identificar seus limites de atuação, mantendo o diálogo honesto com os possíveis parceiros.
A importância de escutar todos os envolvidos, respeitando as peculiaridades de cada comunidade.
Convivência periódica com as lideranças comunitárias para construir coletivamente o turismo que eles querem.
A importância da sensibilização e da educação do turista.
Entender que não se pode fazer tudo por conta própria. É preciso identificar e acionar parceiros em casos que fogem da responsabilidade individual.
A importância de comunicar o trabalho feito, seus resultados e impactos sentidos e enxergados.