BAR DO TONINHO (Santos/SP)
De vez em quando dá saudade de Santos. E quando tento matá-la, as primeiras coisas que me vêm à cabeça são a praia, claro e, curiosamente, o Bar do Toninho.
E normalmente vem tudo junto, pois uma das coisas que mais gostava de fazer quando morava lá era ir à praia e ficar nela até a hora que a fome deixasse e depois parar para comer no Toninho. Então…
“Ainda bem que eu trouxe até meu guarda-sol. Tenho toda a tarde, tenho a vida inteira…” A música não sai da cabeça. Como não tenho pressa e a fome ainda não é tanta, dá tempo de tomar um banho e aí sim, ir para o bar pronto para passar algumas horas ali, já relaxado, de bermuda e chinelo, tomando cerveja, devorando bolinhos e pastéis, vendo o tranqüilo agito do bairro do Embaré e encontrando os conhecidos que passam o tempo todo para lá e para cá.
O “Toninho” é, de certo modo, o melhor lugar de Santos. Sei que choverá pedradas por causa disso, mas fazer o quê? É verdade. É o bar que a cidade inteira conhece e frequenta, mesmo sem notar. Quase todo mundo fala mal, mas quase ninguém sai de lá.
A equação é simples: boteco totalmente despojado, com mesas de plástico + garçons ágeis e amigos, que conhecem a maioria dos clientes pelo nome + bebidas sempre geladas + pastéis maravilhosos de carne, camarão, siri, queijo, palmito, carne-seca, bacalhau e sei lá mais quantos, um melhor que o outro e que praticamente não têm ar dentro, só massa e recheio. Meu preferido é o de camarão. Ou será o de carne?
Para começar, o Bar do Toninho é, de longe, o bar mais democrático que eu conheço. Tem o pessoal que chega cedinho para tomar café com leite e comer um pão com manteiga, tem a turma que passa de maiô e chinelo para comer uns pastéis na volta da praia, tem a turma do happy hour, os que chegam mais produzidos antes ou depois da balada, os que passam só para comer alguma coisa e ficam na paquera, as turmas de amigos, os turistas, os que vêm para assistir o jogo, etc.
Os jogos são um caso à parte. O Toninho, que é palmeirense, tratou de espalhar uns periquitos pela decoração do bar. Quem também estão sempre lá são seus filhos, o Toni e o Jaime, que é são-paulino roxo. Como a grande maioria do público é santista e corinthiano deve existir até no céu, o bar sempre se transforma em um estádio multicolorido, e dos mais animados e lotados.
Os garçons participam de tudo. Dos que lembro, o Paulo, santista, mal tinha tempo de ver o que acontecia enquanto gritava os números das senhas na “loteria” por uma mesa para a multidão que aguardava lá fora. O Odair, flamenguista, secava todos os outros times ao mesmo tempo.
E tantos outros, sempre simpáticos, atenciosos e “no espírito do bar”. Entre eles, bons amigos que sumiram por aí, como o Eliel, que foi trabalhar em algum lugar de São Vicente, o Beto, que há pouco tempo encontrei no “Viva Vinhos” e os gêmeos Crispim e Crispiniano, sósias do Robinho (serão trigêmeos?), que, ao que diz a lenda, montaram seu próprio bar no Guarujá.
A história do Toninho é das mais tradicionais e se confunde com tantas outras de descendentes de portugueses que, com muito trabalho, alcançaram o sucesso no comércio: Antônio Almeida Cardoso, o Toninho, trabalhou alguns anos no Lanches Praia, a menos de um quilômetro dali.
Quando seus colegas resolveram sair de lá para tocar o Carioca, um clássico da cidade, ele resolveu seguir seu próprio caminho, passando pelo Caracu e a Casa Calçada, até montar seu minúsculo boteco atrás da igreja do Embaré, em 1987.
O lugar, que ficava na passagem de muitos e na parada de poucos era pequeno, meio escuro, com apenas quatro ou cinco mesas e um único banheiro para homens e algumas corajosas mulheres. Porém, os bolinhos e os pastéis já eram os melhores da cidade, o que fazia com que muita gente, mesmo receosa, fosse conhecer o bar.
Mesmo reconhecendo que tudo no bar melhorou muito com o novo endereço, Toninho ainda se emociona ao lembrar do antigo ponto. “Não dá pra dizer que não sinto saudades. Significava muito para mim. Era o começo da realização de um sonho”, afirma.
Dessa época, quem conta histórias saborosas são a Piera e o Rubinho, amigos que também subiram a serra, mas que moravam na esquina, a uns 20 metros do bar, separados por um prédio e uma ruazinha.
Uma destas histórias fala de um “Banho da Dorotéia”, tradicionalíssimo evento da cidade que antecedia o Carnaval, no qual a cidade inteira se vestia de mulher e que, como tantas outras tradições santistas, a Prefeitura conseguiu acabar.
Ocorreu neste dia que um grande grupo de foliões resolveu se “concentrar” justamente no Toninho e, como tinha mais gente do que bar, o pessoal foi se espalhando.
Cerveja vai, batidinha vem, mais gente chegando, menos bar sobrando e quando eles deram por si havia diversas “Dorotéias” no quintal e até mesmo dentro de casa, já enturmados e instalados pelos sofás. O jeito foi entrar no clima e curtir a festa.
Foi também neste período que surgiu o subtítulo “o Rei do Bolinho de Bacalhau”. Será? Admito que é o carro-chefe da casa, mas a substituição da alcunha por “Rei dos Pastéis”, para mim, seria muito justa. Tem muito pastel bom por aí, mas eu prefiro, sempre, os de lá.
Veio então 2001 e, com 14 anos de funcionamento e clientela formada, surgiu a oportunidade de ocupar o lugar de um antigo restaurante a dois quarteirões dali.
O bar se mudou então para a esquina que ocupa até hoje. E o sucesso foi automático e estrondoso. Do dia para a noite, o cruzamento da Epitácio Pessoa com a Oswaldo Cochrane se tornou o lugar mais agitado da cidade, abarrotado de gente de terça a domingo. O barzinho de 4 mesas passou a ter 80 nos horários de maior movimento. As poucas dezenas de frequentadores passaram a ser milhares.
Mas, o atendimento, os bolinhos, as caipirinhas, as porções, as cervejas e os pastéis permanecem exatamente os mesmos. “Então, deixe viver, deixe ficar, deixe estar como está”.