SANCHO BAR Y TAPAS
O aviso está na parede: “Abrimos cuando llegamos, cerramos cuando nos vamos y si vienes y no estamos, es que no coincidimos”. É com essa simpatia e despreocupação que o Sancho Bar y Tapas deixa bem claro seu objetivo: ser um bar com todas as características e delícias dos botecos espanhóis sem deixar de lado a congregação e a efervescência que só São Paulo oferece – especialmente na região onde fica o bar: a Rua Augusta.
Com isso a casa já se destaca de todos os demais bares de tapas que invadiram recentemente a cidade, mas que transformam em modismo e presunção algo que deveria ter o mesmo espírito despojado e descontraído apresentado pelo descomplicado e comilão Sancho Pança, companheiro de Dom Quixote.
A ideia de um bar assim é dos amigos Martin Jirousek, Fábio Pasquale Soares e Tiago Fernandes, colegas da faculdade de zootecnia (!!) da USP. Ocorre que Martin morou dois anos na Espanha e se encantou tanto com a vibração dos bares que facilmente convenceu os colegas a embarcarem na empreitada.
E eles embarcaram. Não só na empreitada, mas também num avião para a Espanha, onde passaram 10 dias percorrendo cerca de 100 bares diferentes em Madrid, Oviedo, San Sebastian e outras cidades da terra de Cervantes. Dessa “árdua e desagradável” tarefa, extraíram tudo que gostariam de replicar no Brasil e notaram o que seria difícil reproduzir, como o uso das “cañas”, onde lá servem as cervejas diretamente do barril.
Escolheram então a Augusta, a rua mais descolada e democrática de São Paulo, onde montaram um estiloso galpão com paredes de alvenaria, tijolo aparente e diversas lousas com frases, poemas e sugestões do cardápio, além de um enorme balcão e a atual decoração com quadros, bandeiras e grandes peças de jamón serrano e ibérico.
Curiosamente, no meio da reforma encontraram ainda seu chef de cozinha – o habilidoso Paulo Chiarelli, surgido do nada, recém-chegado da Europa, indicado pelo eletricista que concluía a obra da casa. Mas parece que o plano era esse: misturar o bom de lá com o bom daqui e ainda acrescentar a força e a influência dos amigos, como da hostess Renata e do gerente Daniel, simpático casal trazido do Chile. E ainda deixar rolar uma música bem variada com sotaque espanhol, seja ela argentina ou mexicana.
Inaugurado no final de 2011, o Sancho investe alto em diversos produtos espanhóis – como vinhos, cervejas e alimentos – e, claro, na criatividade de seus “tapas e pintxos”, que aparentemente na maioria dos casos significam a mesma coisa, exceto pelo fato de que os pintxos levam um palito na sua montagem.
A casa oferece mais de 20 tipos do quitute, variadíssimos, muito bem elaborados e com preços bem acessíveis. A maioria deles fica exposto sobre o balcão – é só escolher, anotar e pegar. A exceção fica com os que levam frutos do mar ou outros produtos refrigerados que estragam rapidamente. Aí a opção é pedir ao garçom e esperar por eles na própria mesa.
Há opções tentadoras, como os de jamón, gorgonzola e nozes, os de jamón com ovo de codorna frito, os de salmão com cream cheese e limão, os de filet mignon e cogumelos, os de jamón, queijo de cabra e molho de mostarda, os fartos tapas de camarão alioli, os de lagostins com cogumelos, os de polvo cozido e salteado com páprica e até o delicioso “Pintxo do Sancho”, que ainda nem consta do cardápio, mas já é servido e leva jamón, ovo de codorna à milanesa e queijo manchedo.
Diz a lenda que as “tapas” surgiram na Idade Média, quando o Rei Afonso X ficou doente e, por recomendação médica, tomava algumas taças de vinho durante o dia acompanhadas de pequenos bocados de comida para amenizar os efeitos do álcool. Curado, ele instituiu que as tabernas deveriam servir com cada taça de vinho uma “tapa”, para evitar que os frequentadores ficassem bêbados rapidamente.
Mas no Sancho isso é desnecessário porque o cardápio da casa vai muito além. Mais do que os pequenos petiscos, o Sancho oferece porções como a tábua de embutidos espanhóis, as batatas com molho (subdivididas em “bravas”, “tranquilas” e “diabólicas”), os deliciosos bolinhos de jamón e as incríveis croquetas de paella. E há ainda cinco tipos de paella, servidas em pequenos tachos e que costumam agradar aos grupos que frequentam o local.
Por outro lado, a parte etílica é também bem variada, com tendências espanholas, é claro. Há vinhos de vários lugares, mas vale destacar, por exemplo, o Javier Asensio, de Navarra, e o Artero Tempranillo, da região da Mancha, além do licoroso Jerez e boas opções de sangrias.
Na parte de cervejas, 8 das 30 listadas no cardápio também veem de lá, como as conhecidas Damm e Estrella Galícia. O chopp é brasileiro, mas com boas opções, do tradicional Brahma aos artesanais Bamberg Weizen, Leuven Witbier e Saint Bier Pielsen.
Fica a feliz certeza de que os jovens amigos Martin, Fábio e Tiago não sonharam sonhos impossíveis nem precisaram lutar com moinhos para alcançarem seus objetivos com um tiro certeiro, perfeito, no alvo. A ideia era essa e parece ser exatamente isso que o pessoal procurava.
Por isso, mais uma vez, o aviso está lá na parede, bem claro, para quem estiver procurando: “Un lugar donde encontrar los amigos, reirse, pasarlo bien, tapear com uma copa de vino o uma caña”. Este lugar é o Sancho.
PS: Confesso que fui procurar saber melhor o que é zootecnia. O dicionário diz: “ciência que visa aproveitar as potencialidades dos animais domésticos e domesticáveis, visando aproveitá-los com a finalidade nutricional e econômica”. Quando fizemos esta matéria, mesmo sem ver ligação alguma entre seu curso e seu bar, o simpático Martin Jirousek nos deu uma grande aula sobre as diferenças entre o jamón ibérico e o serrano, explicando as diferenças não apenas das raças dos porcos, mas de sua criação e sua alimentação à base de nozes bellota, além de falar dos cuidados com outros animais etc etc.
Taí, Martin! Quem daria explicações melhores sobre isso?