ASKA LAMEN
No filme “O Sabor de uma Paixão” (Ramen Girl), a personagem de falecida atriz Brittany Murphy se vê perdida em Tóquio após o fim de um relacionamento. Em meio à solidão e à barreira do idioma, ela descobre um pequeno restaurante de lamen, no qual inesperadamente encontra calor, acolhimento e propósito. Determinada a aprender a fazer o prato, ela implora a um mestre de poucas palavras que a ensine. O caminho não é fácil e ela logo percebe que preparar um bom lamen não é só seguir uma receita, pois, conforme a tradição, cada ingrediente, cada movimento, cada colherada tem de carregar emoção.
No Aska, tudo isso se percebe desde o primeiro contato. Localizada bem no coração da Liberdade, a casa parece saída de um beco de Tóquio. A fachada discreta esconde um salão simples, com balcão de madeira, poucos lugares e filas enormes e constantes, inclusive em dias de semana. Ali, tudo gira em torno do caldo quente, dos macarrões servidos com precisão e dos gestos silenciosos da cozinha.

Fundado em 2000 pelo Sr. Takeshi Ito, o Aska foi uma das primeiras casas especializadas em lamen na cidade. Em uma época em que a comida japonesa era sinônimo quase exclusivo de sushi e sashimi, ele trouxe a São Paulo o verdadeiro espírito do lamen: um prato popular, quente, cheio de camadas e memórias. A proposta era (e ainda é) simples: sabor profundo, preços acessíveis, fidelidade à tradição japonesa e um respeito absoluto pelo tempo e pela técnica.
Para Takeshi Ito, que faleceu em 2023, o Aska (que agora é comandado por outra geração da família) era a concretização de um sonho. Ele trabalhou a vida toda em outra profissão e decidiu montar o restaurante após se aposentar – exatamente como ele é, pelo simples desejo de tornar real um lugar assim. Só que para isso teve que ir a Takasaki, na província de Gunma, em busca de um mestre em lámen que o ensinasse, já que não sabia cozinhar absolutamente nada, nem um simples arroz. E desde então dedicou todo seu tempo a esse sonho.

O lamen, para ele e para todos, é mais do que uma sopa. É uma comida emocional. No Japão, é o prato do trabalhador, do estudante cansado, da mãe que aquece o lar no inverno, um rito que se intensificou especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Durante a reconstrução do Japão, o lamen era um prato barato e nutritivo, feito com ingredientes simples: caldo quente, macarrão e algum tipo de proteína (como porco ou frango), além de vegetais e ovos cozidos.
O cardápio do Aska Lámen é composto por apenas dois pratos: guioza e lámen. Mas é mais que o suficiente. Os pratos são fartos e há opções que atendem a todos os gostos. Os caldos são uma alquimia que podem levar mais de 12 horas para ficar pronto — extraindo sabores de ossos, legumes e especiarias até chegar à textura ideal. São pratos que exigem paciência, escuta e entrega, tanto de quem cozinha quanto de quem consome.

Sentar-se no balcão da Aska e esperar é viver uma pequena cena de filme: os ruídos das panelas, o vapor saindo dos caldeirões, os “irasshaimase” dos atendentes e o silêncio respeitoso dos que se curvam sobre suas tigelas. Ali, ninguém está só. Mesmo sem palavras trocadas, há um elo invisível entre todos — um elo feito de colheradas, nostalgia e conforto.
Como no filme de Brittany Murphy, o lamen da Aska não se resume a matar a fome. Ele aquece de um jeito que é difícil explicar, mas que todos sentem. Talvez seja essa a verdadeira receita: cozinhar com intenção, comer com gratidão — e reconhecer que, sim, há dias em que tudo o que a gente precisa é de uma boa sopa quente.

ASKA LAMEN – Rua Barão de Iguape, 260 – Liberdade, São Paulo. Tel (11) 3277-9682.
Atenção para os horários bem restritos: a casa funciona de terça a domingo somente das 11h às 14h e das 18h às 21h.