INSTITUTO DE PESQUISAS ECOLÓGICAS – IPÊ (Nazaré Paulista/SP)
Com o objetivo de inspirar e promover avanços nas discussões e práticas sobre turismo responsável e sustentável no Brasil, o Ministério do Turismo – MTur e o Centro de Estudos de Turismo e Desenvolvimento Social (CETES/USP) lançaram o livro “Turismo Responsável: resultados que inspiram”, de autoria de Marianne de Oliveira Costa, Ana Rosa Proença, Karina Toledo Solha e Gustavo Pereira Pinto. Elaborado pelo Instituto Vivejar, com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, o livro reúne 10 exemplos de iniciativas comprometidas com um turismo de impactos positivos em território nacional. Uma delas é o Instituto de Pesquisas Ecológicas – IPÊ, cuja matéria reproduzimos abaixo.
Mas independentemente de ler esse trecho aqui no Lugarzinho, vale a pena demais você ler o restante do livro, que traz todas as iniciativas selecionadas e um amplo contexto em que nasce e se desenvolve o movimento do Turismo Responsável, além de muitas dicas de como empresas, destinos, organizações e viajantes podem começar a colocar a responsabilidade em prática e motivações para serem adotadas durante o processo. Divirta-se!
INSTITUTO DE PESQUISAS ECOLÓGICAS – IPÊ (Nazaré Paulista/SP)
“É sobre conservar a natureza, mas também pensar nas pessoas que moram ali, buscando equilíbrio entre social, ambiental e econômico”.
A pesquisa e a conservação da biodiversidade foram a essência da criação do IPÊ. O instituto vem há mais de 30 anos protegendo a natureza e os animais ameaçados de extinção. Na revisão dos planejamentos estratégicos da instituição, foi notória a evolução das suas ações, passando de conservação ambiental para uma abordagem mais socioambiental. A conservação continua a ser o propósito da organização, mas hoje a equipe reconhece que o trabalho está diretamente relacionado às pessoas que vivem nos territórios onde os projetos ocorrem. O IPÊ revisita constantemente sua visão e sua missão de futuro, porque tudo está interligado. O meio ambiente é essa paisagem que conecta todos os pontos da sustentabilidade. Por isso os projetos do instituto ainda nascem de uma essência de conservação, mas agora são associados ao equilíbrio da natureza e ao bem-estar social. Para o IPÊ, comunicar aquilo que faz e popularizar a ciência é um ponto importante e um grande desafio. A Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (ESCAS), criada pelo IPÊ, tem como propósito educar, sensibilizar e capacitar pessoas que tenham interesse nas questões ambientais. Por meio dela, o IPÊ oferece cursos que possam atrair diferentes públicos, não só o acadêmico. A ESCAS oferece cursos de curta duração e pós-graduação, como mestrado e MBA, justamente para ajudar as pessoas que já trabalham com essas temáticas e buscam um aprendizado prático, para aplicar no dia a dia.

“Somos um instituto de pesquisas, então não podemos esquecer que tudo o que fazemos está pautado em pesquisa científica. E como a gente comunica? Como a gente consegue dar visibilidade para tudo o que a gente faz, de uma forma acessível? Precisamos começar a ‘furar a bolha’, justamente para trazer mais adeptos à conservação. Então, para isso, a gente precisa comunicar bem!”
A sistematização dos resultados, tanto dos positivos quanto dos negativos, é uma parte importante do processo. O IPÊ se preocupa em compartilhar esses dados, pois entende que é uma maneira de comunicar sua atuação e, ao mesmo tempo, contribuir para que outros possam aprender com seus erros e acertos. A organização acredita que o caminho de outras iniciativas, ao acessarem esses resultados, pode ser trilhado de maneira mais fácil, minimizando seus impactos negativos e impactando ainda mais positivamente. “Mostrar o nosso trabalho permite não só a inspiração de outras iniciativas, mas o aprendizado coletivo” (Nailza, 2023).
Desde a criação do instituto, muitos projetos já foram desenvolvidos. A equipe escolhe cuidadosamente os editais em que participa, submetendo propostas àqueles que estejam alinhados à sua missão e visão. Da mesma forma, não é com qualquer financiador que o IPÊ quer estar associado. É preciso que estejam alinhados aos seus princípios. Por isso, esse processo é verificado e analisado com calma, inclusive com participação ativa do conselho da instituição. “Nosso conselho é bem atuante e exercitamos muito essa escuta para ver se realmente estamos no melhor caminho” (Nailza, 2023).
E não é diferente na escolha de parceiros. Mas, nesse caso, mesmo que o parceiro não esteja integralmente alinhado com os objetivos do IPÊ, a aposta é que seja possível “trazer mais pessoas para o nosso lado, mas sempre com o cuidado de não cair em falsas promessas” (Nailza, 2023).
O IPÊ cresceu muito nesses 30 anos e estamos constantemente refletindo sobre os impactos negativos e positivos que geramos em tudo o que fazemos. Quando eu entrei, o processo seletivo partia de uma demanda específica de um projeto e da indicação de profissionais de outras instituições. Mas, com o crescimento do IPÊ e pela exigência dos financiadores, começamos a fazer editais de contratação. Agora existe um processo seletivo mesmo, com chamamento público, equipe de seleção e posterior mentoria para o novo integrante da equipe. Contudo, uma preocupação interna é da gente não perder nossa essência de se ver como uma família, conectados com o mesmo propósito.
Para o IPÊ, o processo seletivo tem menos relação com ter um bom currículo e mais com a essência da pessoa: por onde ela passou, o que já fez para além de seu trabalho, qual foi a diferença que ela já gerou. Até porque o IPÊ investe na formação das pessoas que entram no instituto, ao longo de suas trajetórias, e isso faz parte da cultura institucional.
Essa semana mesmo, a gente estava conversando e a fundadora, Suzana Padua, falou que tudo bem entrar uma pessoa no IPÊ e ela se capacitar depois disso, porque a nossa instituição apoia o aprendizado e facilita o acesso a cursos no exterior e/ou em instituições renomadas. Sabemos quanto a nossa instituição dá acesso a alguns lugares que a gente, provavelmente, não teria se não estivesse associado ao IPÊ. E ela disse: “Tudo bem se, depois de tudo, a pessoa seguir para um outro lugar. A nossa parte a gente fez, formando pessoas que irão contribuir em outros lugares!”
O preço do crescimento é muitas vezes não conhecer muito bem as pessoas com quem trabalhamos. Para minimizar essa questão, o IPÊ faz reuniões trimestrais, que antes eram presenciais e, agora, com as facilidades tecnológicas, ocorrem de forma virtual ou híbrida. No fim de ano, os colaboradores sempre se reúnem de maneira presencial para que todos se conheçam pessoalmente. Essa é uma das estratégias do IPÊ para não perder a essência de comunidade, de família. Ao mesmo tempo, isso facilita a troca de saberes entre os colaboradores em relação ao que cada um tem feito pelos biomas do Brasil. O IPÊ preza muito pelo processo de formação, intercâmbio e conhecimento da própria instituição. O IPÊ é composto majoritariamente por mulheres, que estão à frente das coordenações. E isso aconteceu naturalmente. Mas há poucas pessoas pretas no instituto. Alguns anos atrás, um pouco antes da pandemia, a entidade criou um grupo de trabalho para estudar e buscar estratégias de inclusão. Uma estratégia colocada em prática, por exemplo, foi aumentar a visibilidade de oportunidades para pessoas pretas em processos seletivos do IPÊ. Com relação aos indígenas e às populações mais vulneráveis, o instituto está construindo uma estratégia de começar a atrair pessoas nas comunidades em que atua para serem colaboradoras. “Pessoas que, de alguma forma, sejam contempladas pelos nossos projetos, não como beneficiários, mas como protagonistas, dentro do instituto também” (Nailza, 2023).
Eu sou turismóloga e quando entrei no IPÊ não existia um projeto de turismo. Entrei para trabalhar na logística de cursos que o instituto realizava na Amazônia, voltados para gestores de áreas protegidas da região. Então eu organizava a questão logística pelos meus conhecimentos do turismo. Só que, nessa mesma época, o IPÊ estava fazendo um diagnóstico em Manaus, Amazonas. E nesse diagnóstico o turismo apareceu como um grande desafio para as comunidades locais, porque as Unidades de Conservação tinham potencial para desenvolver o turismo, mas ele acontecia de maneira muito desordenada, sem o envolvimento das comunidades. Era um turismo injusto, principalmente na relação com as comunidades.
A partir desse diagnóstico e com um projeto aprovado no primeiro edital do MTUR, em 2008, que contemplava o desenvolvimento do ecoturismo e do turismo de base comunitária (TBC) no Brasil, o IPÊ mapeou as iniciativas que aconteciam na região do Amazonas e identificou as que tinham potencial. Foi feito com elas um trabalho de sensibilização sobre o que era a atividade turística e de visitação em áreas protegidas e falaram sobre essa forma de gestão do turismo que envolve as comunidades, na qual os comunitários podem ser protagonistas. A partir daí, com o próprio senso crítico, cada um decidiu se queria fazer parte ou não dessa atividade. O trabalho de sensibilização sobre a visitação e a cadeia de valor do turismo em áreas protegidas teve continuidade com os editais que começavam a aparecer e, somente em 2013, com o edital do Fundo Vale, puderam trabalhar a questão da infraestrutura turística local. No início, Nailza era assessora técnica, mas logo passou a coordenar os projetos de turismo. Muitas pessoas integraram a equipe e consultores de diferentes expertises ajudaram a atender demandas específicas. Passaram pelo projeto, por exemplo, pessoas com conhecimentos em trilhas, em precificação, profissionais que traziam uma visão de negócio e de mercado, de marketing, de divulgação dos produtos e de serviços turísticos. Nos últimos dez anos, além da sensibilização e da capacitação, o IPÊ passou a trabalhar na geração de renda. Aos poucos os projetos estão envolvendo mais as comunidades, não só como beneficiárias de educação e de formação, mas também com seus próprios negócios, como empreendedoras e empreendedores, independentemente do tipo de negócio. Percebe-se que, com a geração de renda, outros benefícios surgem, como o aumento da autoestima e a vontade de seguir adiante. Mas o instituto ainda tem muita dificuldade de medir e comprovar os impactos gerados pelo seu trabalho.
Desde 2020, através do financiamento do LinkedIn e do Projeto LIRA, as atividades do Projeto Navegando Educação Empreendedora na Amazônia, por exemplo, foram um marco, pois conseguimos dar incentivos, investimentosemente para empreendedores selecionados e preparados para receber tal investimento.
Dessa forma, o IPÊ não leva só a capacitação, mas também um incentivo-semente, que é destinado ao aprimoramento do capital humano ou à aquisição de infraestrutura e equipamentos. Mas isso só foi possível pelos editais que o instituto tem conseguido acessar e porque, hoje, os financiadores têm se aberto a esse modelo. Antes, o IPÊ não tinha condições de fazer tudo isso, porque passar recursos para uma associação exige um processo burocrático um pouco complexo. E repassar recursos de uma instituição desse porte para a ponta exige tempo de amadurecimento e uma trilha de aprendizado. Nessa fase de atuação do projeto, foi investido tempo para que isso fosse possível. O trabalho de capacitação dessas pessoas tem sempre o objetivo de que sejam protagonistas de toda a situação, inclusive da gestão de recursos. O Navegando Educação Empreendedora na Amazônia nasce para apoiar os empreendedores não só com capacitação, mas com investimentos que, na maioria das vezes, fazem muita diferença no sucesso do negócio. E esse investimento-semente veio em boa hora. Depois da pandemia, depois de quase três anos com tudo fechado, algumas infraestruturas precisavam de reforma, muita coisa estava abandonada… De alguma forma, trouxe uma certa esperança de reestruturação. Além de apoiar a infraestrutura local, as ações prioritárias do instituto visam à sensibilização dos órgãos oficiais de turismo para reconhecer essas iniciativas e apoiá-las com políticas públicas adequadas.
Porque quando falamos de processos, principalmente socioambientais, estamos falando de políticas públicas também. Então, a gente procura participar muito ativamente dos fóruns, dos espaços de discussão, dos conselhos dos territórios que a gente atua. Essa é uma oportunidade não só da gente ser ouvido, mas também de ouvir e saber um pouco mais da realidade do local em que estamos atuando. De uma forma ou de outra, estamos sempre presentes. Porque uma das coisas que a gente preza é ser uma instituição atuante nos espaços de decisões.
No projeto Navegando também já foram abordados temas como o marketing digital. Talvez há cinco anos não fosse necessário ter essas habilidades, mas hoje fazem parte da realidade do projeto e das comunidades atuantes. Divulgar o próprio negócio faz toda a diferença. Essa também é uma oportunidade para aproximar e envolver os jovens da cadeia de valor do turismo.
Ao apoiar a produção associada, o turismo se fortalece e vice-versa. Produtos como artesanatos, sabonetes, geleias e biscoitos dão alma aos empreendimentos. Por exemplo, a Pousada Yara vende produtos da Comunidade Bela Vista, como sabonetes, shampoos, cremes e geleias (estas, de outro lugar). Então a atividade turística envolve, ainda, esses outros produtores que não necessariamente trabalham de forma direta com visitação, mas têm produtos interessantes que complementam a atividade turística, beneficiando esses negócios e a si próprios. A Pousada Yara também se destaca porque estava começando a empreender quando o investimento-semente, recebido por meio do projeto Navegando, permitiu que sua estrutura fosse aprimorada com mais facilidade.
Quando a gente escreveu o projeto Navegando, o turismo não era uma peça fundamental. Mapeamos os empreendedores, montamos uma trilha formativa, que nada mais era do que também um processo seletivo, para a gente saber que iniciativas iriam, de fato, receber o investimento-semente. Para a nossa surpresa, todas as iniciativas estavam dentro da cadeia do turismo. Então, para a gente, é uma resposta: o turismo está sendo o fio condutor de muitas outras atividades. Todos que receberam investimento-semente convergiram para o turismo.
Mas será que estamos dando a devida atenção ao turismo? É ele que envolve outras cadeias de valor, que movimenta e possibilita que tudo isso aconteça e se transforme dentro do território. Hoje em dia, muita gente quer conhecer a Amazônia. O IPÊ aproveita esse movimento para fazer um trabalho de sensibilização e educação desses grupos que, acreditam, são mais sensíveis ao tema da conservação e querem trocar conhecimentos.
Esse é um território de muita pressão do turismo convencional. Então o primeiro trabalho nesse mosaico de áreas protegidas, que também possui diferentes categorias de gestão, foi falar sobre uma visitação mais responsável. O instituto investiu muito esforço para sensibilizar as comunidades sobre a atividade em si e para envolver essas famílias num formato de turismo diferenciado, desenvolvido dentro de áreas protegidas, fazendo com que elas realmente se sentissem pertencentes à atividade. Tudo isso sem romantizar o turismo, porque muitas vezes essas comunidades já estão vulneráveis e sedentas por uma oportunidade. “Se você chega lá só contando as coisas boas, todo mundo quer. Por isso, é preciso contar os desafios e o perfil necessário” (Nailza, 2023). Além do turismo, o intuito era de que as pessoas se enxergassem como protagonistas da conservação ambiental, que no fim é o pano de fundo de todo o trabalho do IPÊ.
Queremos pessoas capacitadas para trabalhar com o turismo enquanto contribuem para o aprendizado dos visitantes sobre a importância da conservação. E digo isso porque o IPÊ tem sido muito acessado pelas universidades estrangeiras para fazer imersão na Amazônia. E nós não somos uma agência. Imagina para quem está se especializando nisso. Há um grande potencial de demanda para ser atendido, como uma oportunidade de trocas de experiências e também de conseguirmos mais adeptos para conservação socioambiental […]
A maior preocupação do IPÊ, atualmente, é em relação a empresas que se dizem equitativas, de comércio justo, mas que, ao olhar lá na ponta, não atuam com esses princípios. Enquanto divulgam coisas lindas na mídia, não estão contribuindo de verdade. A preocupação passa pelo tempo e pelos recursos investidos nessas comunidades, mas é também, e principalmente, pela autoestima e pela expectativa que essas pessoas estão construindo.
Se a gente não prestar bastante atenção, se a gente negligenciar, a gente pode perder todo um processo construído com muito esforço. E essa sensibilização que demandou recurso, tempo, energia… se fragiliza e o ciclo não fecha. Cadê as agências responsáveis? Cadê as operadoras responsáveis? O que elas estão fazendo de fato? Quantos grupos elas estão levando? Elas estão, realmente, fazendo o que tanto falam? Isso me preocupa muito, porque a gente entra nas redes sociais, tem um monte de gente mostrando o que está fazendo, mas eu não vejo grupos sendo, de fato, levados a locais onde as comunidades estão envolvidas. O meu receio é que daqui a um tempo as pessoas se desestimulem, pela falta de um fluxo que sustente seus negócios. E essa forma de fazer Turismo Responsável que a gente tanto prega acabe dando lugar ao turismo convencional. Vai ter toda uma comunidade preparada, todo um produto formatado de TBC, e, aí, quem de fato estamos impactando positivamente?!
Na visão do IPÊ, essas pessoas estão preparadas, querem vender o produto delas, e a falta de oportunidades pode fazer com que comecem a entrar num outro mercado, que não era inicialmente o que foi idealizado pela própria comunidade. Por isso é preciso analisar e falar sobre o que dá e o que não dá certo, porque outros projetos, outras pessoas, podem enfrentar desafios parecidos.
Se pegar todas as iniciativas que a gente tem de TBC na Amazônia, veremos que elas são totalmente diferentes umas das outras. Não tem receita de bolo. Cada um vai criando as oportunidades de acordo com a sua realidade local. Tem coisas que a gente aprende com os outros e a gente vai ajustando e trocando ideias com as comunidades envolvidas. Estamos aqui construindo caminhos mesmo, é uma trilha formativa o tempo todo!
O papel dos intercâmbios, para o IPÊ, é fundamental nos aprendizados, nas trocas, no fortalecimento das comunidades. Dentro do programa Navegando, o instituto incentiva e promove intercâmbios para que, de um lado, esses comunitários conheçam iniciativas inspiradoras nessa forma de fazer turismo; e, de outro, conheçam pessoas que possam oferecer assessoria e mentoria, de maneira voluntária, para os empreendedores da Amazônia. São pessoas de diversas regiões do Brasil, que, primeiro, conhecem a realidade da Amazônia, para só então compartilhar seus conhecimentos e apoiar os negócios locais. Afinal, o instituto acredita que não é possível dar opinião que não esteja adequada à realidade local. Essa troca também favorece o aprendizado do próprio IPÊ.
Como resultado do nosso trabalho, escutamos pessoas que antes trabalhavam em atividades ilegais e hoje dizem que “a gente pode ter orgulho de dizer o que faz”. Então essa é uma questão de autoestima, de empoderamento… Com a geração da renda, percebemos muitos jovens e mulheres motivados a estarem à frente de iniciativas. Perto de como era dez anos atrás, isso é muito expressivo.
Tem um artesão que hoje é premiado, dá palestras, dá cursos, agora tem um ateliê-escola para a formação de jovens. Mas no começo ele mal falava. Era a esposa que apresentava os produtos. Esse é um indicativo de desenvolvimento também, porque mostra como as pessoas mudam. Esse artesão é o Célio. Ele participa dos projetos do IPÊ desde 2009, mais ou menos. Ele é um artista da madeira e faz animais que são de rara beleza. Passou por todo o processo formativo de acabamento da peça, de precificação… Hoje, no projeto Navegando, é um dos instrutores locais. Além dos mentores voluntários externos, os instrutores locais contribuem contando a história dos próprios empreendimentos, seu passo a passo, seus principais desafios e acertos.
Com a inclusão dos instrutores locais, vimos uma grande diferença no impacto em outros empreendedores, principalmente por conta da pedagogia do exemplo, né? “Se deu certo pra ele, a gente que vive no mesmo território também pode dar certo” ou “Eu sou artesão também, então me identifico muito com a realidade do Célio”. Então vimos um ganho muito grande ao incluir na trilha formativa esses instrutores locais para contar seus cases.
No turismo, o IPÊ ainda enxerga três grandes desafios. Primeiro, o compromisso de implementar políticas públicas que envolvam o Turismo Responsável e, em paralelo, divulgar e fomentar iniciativas sustentáveis. Muito já foi feito, mas a caminhada pela frente ainda é longa. Outro desafio, relacionado com o anterior, é unir os elos da cadeia produtiva do turismo, ainda muito fragilizada, principalmente por conta de agências que pregam o TBC mas não entregam esse resultado. E, por fim, a gestão de crises.
A pandemia deveria ter trazido várias reflexões. Imagina: em três anos de crise mal administrada, o turismo foi um dos setores mais atingidos. Então acho que é preciso trabalhar não só com remediação, mas antecipando o enfretamento de possíveis desafios. Precisamos tentar ter planos proativos de gestão de crises, seja ela climática, de saúde, não importa… Se estivermos preparados, podemos passar da melhor maneira possível.
Trabalhar com Turismo Responsável é olhar para tudo isso enquanto se vive a trilha formativa. É ter consciência de que o trabalho vai além de vender um produto turístico, pois no caminho existem desafios que ninguém poderia prever. Como anos atrás, quando ainda não havia internet nas comunidades com as quais se trabalhava. Nailza se viu fazendo o papel de agência local, como intermediadora dos empreendedores.
Eles não conseguiam, por exemplo, responder e-mail em tempo hábil para os visitantes. Então eu, e às vezes minha equipe, fazíamos esse trabalho, mesmo sabendo que não era um papel nosso. Eu estava fazendo o papel de um agente de viagens e isso me preocupava um pouco. Mas eu acabei fazendo muito por essa dificuldade de comunicação e porque queria ver acontecer tanto quanto eles queriam. Estávamos incentivando toda uma cadeia e sabíamos que a comunicação ainda era um gargalo, uma fragilidade. Precisávamos minimizar isso o quanto antes, mas até que o problema fosse solucionado, acabei, muitas vezes, saindo do papel de técnica de projeto para assumir esse papel de agente local pelas comunidades.
Essa foi uma situação superada com a chegada da internet e com a garantia de que alguém da comunidade daria conta dessa demanda, mas era uma questão que, inicialmente, não fazia parte do escopo do trabalho, não era uma preocupação. No entanto, Nailza relata que cumpriu esse papel por saber que, sendo uma fragilidade, poderia dificultar ainda mais a criação e manutenção de um fluxo turístico e, consequentemente, desmotivar quem estava engajado. Trabalhar com Turismo Responsável requer paciência, persistência e visão de médio e longo prazo. Monitorar projetos requer tempo, recurso, equipe, mas participar do curso de Turismo Responsável do Instituto Vivejar, para Nailza, trouxe luz à importância de medir esses impactos – não só os positivos, mas também os negativos – e de falar sobre Turismo Responsável, destacar as boas práticas. “O curso me fez perceber que precisamos dar mais luz para o que fazemos, para não deixar que nossas experiências fiquem só pra nós” (Nailza, 2023).
Outro benefício do curso, na visão de Nailza, foi a rede que se formou, com empresários, empreendedores, professores de diversos territórios, com perspectivas diferentes sobre o Turismo Responsável. Nessas trocas de conhecimentos e experiências, foi possível perceber que, estando no terceiro setor e falando de turismo como negócio, “a gente precisa ouvir as pessoas que trabalham diretamente com o mercado, as novas tendências […] estar antenado para o que o mercado oferece. Não só nos adaptarmos a ele, mas influenciá-lo” (Nailza, 2023).
O que aprendemos com o caso do IPÊ?
A organização nasce para a conservação de animais em risco de extinção e percebe que o Turismo Responsável também é uma estratégia fundamental para a conservação do bioma Amazônia.
Importância dada para a escuta e o aprendizado constante. Seguem ouvindo, testando e mudando, aprendendo com a prática.
Inclusão dos comunitários que já se beneficiaram com o projeto, para compartilhar suas histórias e aprendizados, como maneira de inspirar e aproximar os participantes. Esse é um ganho metodológico inovador.
Atenção ao greenwashing de empresas/ organizações do turismo. Neste ponto, o instituto debate bem o desafio da comercialização, que precisa acontecer após as comunidades serem preparadas. Talvez ainda sem uma solução única, mas tendo em vista a importância de fomentar esse debate.
A maneira como lidam com os desafios do crescimento da organização.
Inovação no perfil dos projetos (sensibilização, capacitação, financiamento).
Olhar cuidadoso para o desafio de incentivar o Turismo Responsável, mesmo sob constante pressão do turismo convencional.
Iniciativa de levar mentores voluntários, prevendo na execução do projeto o pagamento de todas as suas despesas durante a viagem de imersão.
Iniciativa de mediar um investimento-semente.
Intercâmbio para conhecer outros empreendimentos inspiradores, com previsão orçamentária no projeto.