JAZZB
Dizem que São Paulo nunca dorme. É verdade. Mas o que poucos percebem é que ela também quase nunca ouve. Entre buzinas, sirenes e notificações, o som do improviso parece luxo — e o silêncio, uma raridade. Ainda assim, há quem insista em tocar, e há lugares que insistem em escutar.
A história do JazzB, um dos refúgios musicais mais autênticos da cidade, é a prova de que a teimosia pode ser um ato de amor — e, por aqui, também um gesto político.
Tudo começou nos fundos de um estacionamento. Literalmente. Em 2006, o projeto JazzNosFundos nasceu quase clandestino, escondido atrás de uma porta metálica em Pinheiros. Lá dentro, um punhado de apaixonados por música instrumental se reunia entre cabos, amplificadores e cadeiras emprestadas. O som era cru, intenso, e o público, cúmplice.
O nome dizia tudo: jazz nos fundos — tanto no endereço quanto na alma.
Enquanto a MPB e o pop dominavam os palcos, aquele grupo de resistentes acreditava que o jazz brasileiro merecia um porão para chamar de lar. O fundador, Máximo Levy, sempre descreveu o espaço como “um laboratório vivo”, onde o improviso era lei e as pessoas, parte da experiência.
Mas o sucesso de um porão é o começo de um problema: os fundos ficaram pequenos demais para o tamanho da ideia.

Surge o JazzB
Em 2013, a turma decidiu trazer a música à luz do dia (ou, no caso, da noite). Nascia o JazzB, instalado na Rua General Jardim, bem no Centro de São Paulo — aquela região que já viu de tudo mas que vira e mexe tem uma surpresa boa.
O JazzB não é um bar, nem uma casa de shows. É uma mistura de ambos com algo que lembra um templo laico, dedicado à música. O espaço é íntimo, com palco colado ao público, uma pequena arquibancada, mesas coladas e um piano Steinway centenário que já se tornou personagem da casa.
Lá, o jazz mistura grandes nomes e novos talentos, dialogando com a música instrumental brasileira, o latin jazz, o groove, a improvisação livre e até a canção. O resultado é uma cena viva, pulsante, que sempre se renova, noite após noite.

O sabor do improviso
Enquanto o ouvido se delicia com solos de saxofone e contrabaixo, o paladar também improvisa. O cardápio do JazzB foge do clichê de boteco e abraça a leveza contemporânea — petiscos bem pensados e drinks autorais que parecem trilhas sonoras líquidas. Um dos mais comentados é o “Nativo”, mistura de limão-siciliano, cardamomo e vodca infusionada em café. Um drink que parece resumir o espírito da casa: clássico com um toque brasileiro, sofisticado sem frescura.
Um ato de resistência cultural
No meio de um centro urbano que luta contra o abandono, o JazzB é um ato de resistência cultural. Em tempos de algoritmos e playlists infinitas, há algo revolucionário em sentar-se para ouvir música de verdade, executada por músicos de verdade, diante de um público que realmente escuta.
Não por acaso, seu fundador costuma dizer que o JazzB existe “para manter viva a escuta”. E manter viva a escuta, em São Paulo, é quase uma militância. “Fazer música aqui é acreditar que o coração da cidade ainda pode bater no ritmo certo”, disse ele, certa vez.
O bar acabou se tornando um ponto de reencontro para quem ainda acredita no poder transformador da arte — músicos, produtores, jornalistas, curiosos e apaixonados por sons não formatados. Em meio aos copos e aplausos, discute-se política, cultura, cidade, como outrora era comum nessa cidade. As conversas são improvisadas como os solos: começam no compasso do jazz e terminam em qualquer lugar.
Há algo quase ritualístico em estar lá, de copo na mão, vendo o músico se perder no improviso e se reencontrar três compassos depois. O público sente, reage, responde. Aquela energia que a gente até esquece que tem.

A noite avança, o público se dispersa, e o Centro volta ao seu ruído habitual. Mas quem sai do JazzB leva consigo um som interno — um lembrete de que ainda há ilhas de humanidade no meio do concreto.
Talvez o segredo do lugar esteja justamente nisso: no meio da maior cidade do país e em tempos em que todo mundo quer ser ouvido, há algo profundamente revolucionário em simplesmente parar… e ouvir.
Rua General Jardim, 43 – República, São Paulo. Tel (11) 94980-3554






