MONTANHISMO – COMO EVITAR ACIDENTES?
A morte da brasileira Juliana Marins, de 26 anos, após deslizar em um penhasco na trilha do Monte Rinjani, na Indonésia, provocou comoção e levantou dúvidas sobre as condições de segurança em trilhas internacionais de alto risco.
Juliana desapareceu no dia 21 de junho de 2025, um sábado, após se separar do grupo de cinco turistas e um guia que subia a trilha junto. Foi localizada ainda no sábado em uma ribanceira 200 metros abaixo da trilha, mas o local dificultava demais um resgate rápido. Seu corpo só foi encontrado na terça-feira, dia 24, a mais de 600 metros abaixo da trilha. Os dois alpinistas voluntários que a resgataram tiveram que enfrentar condições de risco extremo: ficaram 15 horas pendurados, com a ancoragem do solo ameaçando se soltar a todo momento, baixíssima visibilidade, chuva e um frio muito intenso.
A história de Juliana chocou a todos pelo fato de a viagem fazer parte de seu projeto de vida, de conhecer o mundo com independência. As fotos e imagens compartilhadas por ela mostravam sua felicidade com essas conquistas. Uma pessoa sempre interessada em formar laços pessoais e culturais e que deixava transparecer sua paixão pela vida e pela natureza.

Vale aqui destacar o fato de que o acidente que custou sua vida pode até estar ligado aos riscos naturais do montanhismo, mas seu trágico desfecho poderia ter sido evitado se ela não estivesse sozinha quando ocorreu a queda, sem ter a quem pedir ajuda.
Especialistas em montanhismo, guias experientes e turistas que já estiveram no local apontam falhas que podem ter contribuído para a tragédia, mas é difícil avaliar tudo que aconteceu com base apenas em informações distantes – e muitas vezes desencontradas.
Como muitas trilhas já foram indicadas aqui no Lugarzinho (mesmo nenhuma delas sendo de alto risco) para montanhas, cavernas e cachoeiras, fica a preocupação de tentar entender o que aconteceu de errado nesse caso e também tranquilizar e aconselhar outros desbravadores para que possam curtir a vida com a necessária cautela sem perder seu espírito aventureiro.
Para tanto, conversamos com Alexandre Gazinhato, conhecido como Francês, presidente do Clube Alpino Brasileiro, que há muitos anos dá aulas de escaladas e montanhismo até mesmo para crianças e já conversou conosco em nossas Crônicas do Morumbi sobre sua luta pela reabertura de uma praça pública onde comandava um projeto gratuito na região, com escaladas para jovens em situação de risco, no paredão que ficou conhecido como a Pedra do Francês.
Triste com o ocorrido, Alexandre prefere não apontar culpados, mas sim alertar para cuidados que devem ser tomados para que outras pessoas não sejam vítimas de acidentes semelhantes.

Lugarzinho – Nesse caso da Juliana, houve erro na preparação da escalada? Faltaram informações ou equipamentos?
Alexandre Francês – Pelo que entendemos da situação, não é uma escalada, mas sim uma trilha longa com mais de 6 horas. É preciso saber o comprimento em km, ganho de elevação em metros e tipo do terreno para saber a classificação da trilha entre fácil, difícil etc. Mas com certeza essa trilha é para pessoas mais experientes, pois a altitude passa dos 3500m e isso causa mudanças no organismo. O que frequentemente acontece é que as pessoas não têm o hábito de andar em trilhas e se atiram neste tipo de turismo achando que é só andar – e não é bem por aí. Mas se o turismo é comum na região, esse alerta precisa ser feito. Poderiam exigir um kit de primeros socorros com itens básicos, casaco, bota, calça etc. Porém, não deve haver nenhuma fiscalização; sobe quem e como quiser. Ai os aventureiros aparecem…
O que pode ter causado a queda?
Se ela ficou para traz do grupo, é preciso entender o porquê. Se estava cansada, ficou tirando fotos, estava se sentindo mal, queria fazer a trilha mais sozinha? Um acidente nunca é um fator isolado e sim uma série de fatores que, neste caso, pode ter sido um desmaio, uma escorregada, falta de visibilidade devido a neblina e outras possibilidades.

O guia e o grupo erraram ao deixá-la sozinha?
Se foi isso que aconteceu, sim, o guia errou. Não se perde de vista ninguém do grupo neste tipo de atividade. Normalmente, seguindo nossas normas, este tipo turismo é realizado com um guia e um auxiliar para 12 pessoas. Mas é bem comum encontrar um guia para 20 pessoas e ninguém na retaguarda fechando o grupo – o que é um risco bem grande.
O guia estava despreparado?
Sem mais informações, é dificil saber. O que podemos afirmar é que nenhum guia de montanha estará pronto para efetuar um resgate como este. É impossível carregar o equipamento necessário somente em uma pessoa. Portanto temos de agir sempre preventivamente e com a segurança ativa. É preciso lembrar que um grande barato deste tipo de atividade é justamente correr risco.
Uma trilha de 2 km é facilmente realizada em 45 minutos por uma pessoa saudável. Mas por uma pessoa mancando ou sendo carregada em uma maca por 8 pessoas, isso leva umas 3 horas. Então mesmo em trilhas pequenas os resgates são difíceis. Ali, além da trilha longa, ainda há a questão da parede vertical. Um resgate é muito difícil.
Como é a situação dos guias aqui no Brasil? O que as pessoas devem avaliar ao contratar alguém?
Deve avaliar todo o portifólio do que ele já fez e a infraestrutura que ele oferece de equipamentos de segurança. Ele deve seguir as normas e ir com mais guias auxiliares. Um bom e seguro número para trilha é um guia para até 8 pessoas; se for escalada, no mínimo um guia para 6 pessoas. Por aqui, costumamos falar que independente do guia ter Cadastur etc. – que é o que nossa legislação obriga – o que temos muito são “juntadores de gente”, que não passam informações sobre a geologia do local, geografia, fauna, flora etc. Só sabem falar “vamos, vamos” e muitas vezes nem conhecem bem o caminho e não se preocupam com o plano de emergências – o que fazer quando algo der errado, rota de hospitais, como avisar etc. Temos uma falta de cultura de montanha tremenda por aqui.
Houve problemas no resgate?
Sobre o resgate, o maior problema foi o tempo de mobilização, sabendo que com a vestimenta que Juliana estava e a tamanha altitude, dificilmente ela tenha sobrevivido à primeira noite, tendo provavelmente morrido de hipotermia.
Mas o pensamento que devemos ter é de não depender deste resgate. É algo que a própria empresa de turismo pode oferecer como diferencial. De modo geral, o pensamento do governo é “se você se coloca em risco fazendo este tipo de atividade, por que temos de utilizar verba pública e colocar em risco outras pessoas para te salvar?”. Em muitos países da Europa o resgate é cobrado financeiramente de quem é resgatado.
A grande falha que podemos ver do governo é na normatização e fiscalização, pois podem fazer com que as próprias empresas que operam este turismo lá cuidem e providenciem este tipo de resgate.

Quais as principais dicas que você dá a quem irá subir uma montanha, seja ela já conhecida ou não?
Comece aprendendo matérias básicas sobre o tema: riscos, orientação e navegação, busca e salvamento, meteorologia, primeiros socorros, alimentação etc.
Aprenda muito sobre ambientes outdoor e remotos. Após isso, comece com trilha pequenas de no máximo 3 horas e vá evoluindo até chegar em trilhas com mais de 12 horas. Passando esta fase, precisa estar habituado a fazer isto por 2, 3 dias, acampando para descansar. Só depois de fazer isto em ambientes controlados vá se aventurar em ambientes remotos como o deste caso.
Quais tipos de escalada vocês fazem com o Clube Alpino? Onde são os lugares?
Apesar do nome Clube, somos uma instituição social de ensino de esportes de Montanha. Visamos construir a cultura de montanha por aqui a fim de evitar acidentes como este. Temos diversos projetos, incluindo nossa escola de escalada e escola de montanha, onde em nossa formatura fazemos um feriado em que colocamos as pessoas para andar mais de 30 km nas montanhas acima de 2400 m para ter certeza de estarem preparadas. Aí podemos falar que é um montanhista.
Temos operação em diversos locais, como a Reserva Legado das Águas, que são montanhas na Mata Atlântica, no Parque Nacional do Itatiaia, onde cuidamos de um refúgio que está situado a 2200 metros de altitude. Nossa propriedade atinge 2530 metros de altitude. Em um país onde os vinte maiores cumes estão entre 2500 e 3000 metros, é um excelente campo escola.
Os interessados em conhecer melhor esses projetos, podem entrar em nosso site e redes sociais.
Alguma dica especial?
Comece pelo básico, trilhas pequenas e vá evoluindo, conhecendo equipamentos e se conhecendo. O auto conhecimento é o que nos deixa vivos na montanha.
“Nos altos cumes, onde o ar é claro e rarefeito, há uma pureza que não se encontra em outro lugar. É lá que o homem, livre das coisas supérfluas, se encontra com o essencial — a rocha, o céu, o frio, e ele mesmo.” (Gaston Rébuffat, alpinista francês)