PAPO, PINGA E PETISCO
O céu é cheio de uivos, latidos e fúria dos cães da praça Roosevelt, avisa o Jarbas Capusso Filho. Mas se você quer conhecer São Paulo, vá correndo pra lá. Chegue à noitinha, levando um pouquinho de dinheiro e muita tranquilidade. A promessa de uma noite diferente e muito interessante certamente será cumprida.
Se eu escrevesse isso há 20 anos iam querer me internar num hospício. E com razão. A praça Roosevelt era o resumo da degradação da cidade grande, totalmente dominada por trombadinhas, pontos de tráfico, prostituição e muito, muito lixo.
A “retomada das calçadas” começou em 2000, quando “Os Satyros” chegaram com seus atores cheios de ideias, motivação e luxúria. Alguns teatros que já estavam no pedaço, como o Studio 184, o N.Ex.T, o Espaço Cenográfico e até mesmo o Arena revigoraram-se. E abriram espaço para a vinda do Teatro X, do Teatro do Ator e da Cia do Feijão, até culminar com a chegada da troupe dos Parlapatões.
Graças a todos eles, passear na Roosevelt numa noite de sexta-feira é testemunhar um processo inacreditável de transformação. O entra-e-sai dos teatros, as mesinhas na calçada e as rodas de bate-papo formam o novo cenário.
É no meio desse turbilhão de manifestações artísticas que vamos encontrar, finalmente, o “Papo, Pinga e Petisco”, um barzinho aconchegante e descolado, rústico e harmonioso, com algumas poucas mesinhas na calçada e repleto de histórias pra contar.
Um aviso de antemão: quando você atravessa a pequena porta de entrada do bar, você sai em outra época, como num túnel do tempo. É verdade! Não se trata de um bar temático ou forçadamente decorado para lembrar velhos tempos. Nada disso. Você vai parar num período da história paulistana onde tudo é mais “humano”, as mesas são de madeira e cada uma de um estilo e tamanho, os objetos antigos espalhados por todos os cantos estão à venda, mas também fazem parte da casa e a música vem de “long-plays” meticulosamente escolhidos “para tocar o que nenhum outro lugar toca”.
A estranha simbiose entre os artistas, estudantes, jornalistas, senhoras e malucos em geral somada a infinidade de quinquilharias, discos e livros usados, geladeiras antigas e uma cultuada mesa de bilhar dão uma agradável sensação de conforto e aconchego. Some-se a isso, ainda, a “pessoalidade” com que o casal Doca e Arlete recebem os client… quer dizer, os amigos.
“Tudo no ‘PPP’ tem um cheiro, um gosto e uma história”, explica alguém que eu não sei quem é, mas que já faz parte da conversa. É verdade. E quanta história…
Há mais de 60 anos era inaugurada ali, por Djalma Ferreira, autor de grandes sucessos e dono da boate Drink, em Copacabana, a boate Djalma, que viria a ser uma das mais influentes casas noturnas da cidade, lançando diversos artistas, como Jair Rodrigues, como “crooner”.
Pouco tempo depois, comprada por Luiz Vassalo e Paulo Kaloubek, a boate de apenas 250 metros quadrados consolidou um elenco fantástico de artistas e foi palco de um evento até hoje célebre e invejável: o primeiro show de Elis Regina em São Paulo, acompanhada de Silvio César, em 1964.
Aquele tempo se foi, mas o espírito do lugar permaneceu. Nos anos 90, Doca comprou o ponto e o transformou em uma loja de usados e antiguidades e quando, em 2004, resolveu abrir o bar, o PPP já era uma mistura perfeita entre a noite badalada e o estilo retrô das duas casas que fizeram a história do lugar. Aí foi só uma questão de abrir a porta e deixar o povo entrar.
E o povo entrou. E como entrou. Tanto que só consegui conhecer o bar na terceira tentativa, porque está sempre lotado. Mas valeu a espera, pelo menos pela grande variedade das tais pingas (para todos os gostos: das clássicas mineiras às suaves de frutas), pelo patê de gorgonzola (um dos tais petiscos) e pelo papo descontraído e cultural com o Ronildo, que a pouco tempo ocupa algumas horas de sua noite como garçom e outras do dia como webdesigner.
Agora que o nome você já decorou (se quiser, pode chamar de PPP ou “Bar do Doca”, a gente entende), programe-se para fazer o roteiro completo: confira uma das tantas peças em cartaz nos teatros da região e aproveite para sugar a cultura da Roosevelt num lugar diferente, em boa companhia e, claro, com muito papo, pinga e petisco.