PRAIA DO BONETE (Ilhabela/SP)

Você já se pegou pensando em se afastar, nem que se seja por uns tempos, das reuniões de planejamento estratégico às segundas, do rodízio às quartas e das aulas de muay thai às sextas para passar um tempo no Éden? Especialmente sabendo que esse Éden nem é tão longe e que dá para decidir entre finalizar o percurso de barco ou por trilha?

Pois existe uma praia em que ainda não se vê a imponência dos condomínios de alto padrão, nem as cinematográficas casas de veraneio; em que o abastecimento de energia se dá por geradores e onde todos os habitantes se conhecem, tão cuidadosamente permitidas são as influências urbanas sobre a pequena comunidade de Bonete, no Litoral Norte de São Paulo, no município de Ilhabela.

Quando ir e como chegar

A cidade fica bem movimentada especialmente durante o verão e época de férias escolares, em julho, mas os eventuais veranicos em outras épocas agradam aos viajantes de baixa temporada.

Praia larga, com pouco mais de 600 metros de extensão, Bonete está ao sul da ilha, na enseada de Enchovas. Vá de carro até a Ponta de Sepituba, onde poderá deixá-lo em estacionamento, e faça o caminho até a praia: o que vai determinar em quanto tempo você estará sobre claros grãos de areia boneteira – “boneteiro” é como os locais costumam denominar a tudo o que de lá procede – é basicamente disposição física, financeira e tempo; percorrer 15 km, com alguns trechos de subida, passando por cachoeiras e vegetação é mesmo um delicioso desafio de cerca de 4 ou 4 horas e meia, se realizado num tiro só, sem paradas. Portanto, quanto maior o peso transportado, maior a tendência a caminhar mais devagar.

Para quem quiser poupar as pernas e puder investir um pouco, há opções para bolsos distintos: lancha ou canoa que podem ser contratadas na praia do Veloso ou do Curral, os trajetos mais distantes, ou em Borrifos, mais próximo à Ponta de Sepituba, o trajeto mais curto sobre as águas.

Uma dica é perguntar sobre as ondulações na costa antes de seguir até Bonete, pois com mar revolto os barqueiros se negam a realizar a travessia, já que é impossível atracar nessas condições.

De lancha, você estará lá em pouco mais de meia hora; de canoa, levará em média 1h30. O custo desse transporte precisa ser combinado com o barqueiro contratado, sendo que a viagem de lancha, mais rápida e confortável, será mais cara. Além disso, não há segredo quanto ao percurso pelo mar: há o balanço sobre as águas, a maresia sobre a pele e a aventura sentida de um outro jeito.

Para encarar a trilha, que é bem demarcada, porém repleta de pedras e trechos de subida, recomenda-se seguir a cartilha: calçados adequados para driblar as rochas, muitas vezes molhadas, roupas confortáveis, mas que ajudem a evitar as picadas de insetos, especialmente os tão famosos, inúmeros e vitaminados borrachudos de Ilhabela e distribuição equilibrada do volume transportado – em outras palavras: se puder, evite peso excessivo, pois como já dissemos, há diversos aclives e declives, e a passagem por alguns deles será mais difícil com muita carga. Preferencialmente, comece cedo a caminhada nessa área de preservação do Parque Estadual de Ilhabela.

Cartilha respeitada? Então, o que resta é aproveitar as piscinas e corredeiras que se formam próximos às cachoeiras na trilha: primeiro, surge a Cachoeira da Laje; depois, do Areado e quase chegando à Bonete, verá a menor delas, de Figueirinha. Ao final do trajeto, além da bela Baía de Bonete, você avistará as praias de Indaiaúba e Enchovas.

Bom para surfar e sonhar

Imensas paredes de pedra são cobertas no canto direito por ondas que ficam ainda maiores depois de cruzarem os bancos de areia, impulsionadas pelos fortes ventos. Fala-se de ondulações superiores a 10 pés e tubos incríveis, que apenas quem sabe droppar é capaz de descrever, mas o fato é que o surf está garantido ali, mesmo nas ondas menores que se formam à esquerda.

Aos menos interessados em manobras ou no swell, há uma extensão de praia com muitas árvores; há o Rio Bonete desaguando na ponta esquerda; há um vilarejo ainda preservado, formado por uma comunidade que ama viver na simplicidade e tem lutado intensamente a cada dia para que o privilégio de viver em paz se prolongue.

No sol intenso, árvores em toda a extensão garantem o frescor à sombra, momento ideal para desacelerar, contemplar e relaxar.

Para comer e se refrescar, encontrará quiosques na praia, e algumas pousadas também oferecem ao público um cardápio de saborosas refeições caseiras e bebidas.

E depois de um dia como esse, caberá a você observar o céu estrelado e caminhar a beira-mar antes de se recolher. Tenha lanternas, pois não há energia elétrica; esteja de camiseta longa, calça comprida e pés cobertos, lembrando que os borrachudos de lá não são para amadores, e curta muito!

Se não tiver ido para pernoitar, atenção para o horário de bater em retirada, pois à noite, não poderá fazer a trilha à pé pelo Parque Estadual, e os canoeiros já estarão recolhidos e não farão o trajeto até Ilhabela.

Ameaça ao paraíso

Preservar a relação pacífica e menos invasiva com a natureza: esse tem sido o desafio de cerca de 200 habitantes locais, artesãos, pescadores, barqueiros e donos de pequenos comércios e pousadas, que entendem que Bonete não pode ser entregue à especulação imobiliária, à superlotação, exploração comercial e a todos os males que costumam resultar das ações de “geração de infraestrutura”, como tantos já conhecidos exemplos.

A indignação da comunidade local é compreensível: se passar a fazer parte da zona urbana, como deseja a prefeitura de Ilhabela, serão menores as restrições quanto à ocupação do solo e assim, a orla que ainda hoje é preservada, em pouco tempo será dominada por grandes empreendimentos.

Caiçaras e precursores do pequeno comércio local temem pelas implicações das melhorias que estão sendo planejadas tanto a para a estrada quanto para a trilha, prevendo o aumento do fluxo não apenas de turistas, mas de ambulantes, seus produtos e resíduos resultantes deles; de oportunistas e exploradores que nenhuma relação estabelecem com Bonete além do interesse financeiro. Além disso, queixam-se da falta de consulta à comunidade local sobre as mudanças que em pouco tempo deverão acontecer e que tanto afetarão o estilo de vida e o legado cultural que procuram deixar a seus descendentes.

O paraíso não está longe, mas, se fôssemos você, iríamos logo à Bonete. Se o Lugarzinho tivesse poder de mudar o provérbio, elegeria essa praia para afirmar que tudo o que é bom dura muito, e quem dera, dure.

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