UBUNTU ECOTURISMO (Praia Grande/SC)
Com o objetivo de inspirar e promover avanços nas discussões e práticas sobre turismo responsável e sustentável no Brasil, o Ministério do Turismo – MTur e o Centro de Estudos de Turismo e Desenvolvimento Social (CETES/USP) lançaram o livro “Turismo Responsável: resultados que inspiram”, de autoria de Marianne de Oliveira Costa, Ana Rosa Proença, Karina Toledo Solha e Gustavo Pereira Pinto. Elaborado pelo Instituto Vivejar, com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, o livro reúne 10 exemplos de iniciativas comprometidas com um turismo de impactos positivos em território nacional. Uma delas é a Ubuntu Ecoturismo, cuja matéria reproduzimos abaixo.
Mas independentemente de ler esse trecho aqui no Lugarzinho, vale a pena demais você ler o restante do livro, que traz todas as iniciativas selecionadas e um amplo contexto em que nasce e se desenvolve o movimento do Turismo Responsável, além de muitas dicas de como empresas, destinos, organizações e viajantes podem começar a colocar a responsabilidade em prática e motivações para serem adotadas durante o processo. Divirta-se!
UBUNTU ECOTURISMO (Praia Grande/SC)
Ubuntu: eu sou, porque nós somos!
Em 2020, na Comunidade Quilombola de São Roque (Pedra Branca), localizada no município de Praia Grande (SC), a Ubuntu Ecoturismo teve sua semente plantada. O impulso veio de uma visão compartilhada pelos sócios, Simone e Eliseu, envolvidos com a comunidade e apaixonados pelas riquezas naturais que a cercavam.
A Ubuntu nasceu com o propósito singular de valorizar as pessoas em primeiro lugar como seres humanos, inspirada pela filosofia africana que dá nome à empresa. Seu propósito vai além do coletivo humano, abraçando também o contexto geral da comunidade e seus recursos naturais. “Ubuntu” é mais do que uma palavra: é uma promessa de preservar, valorizar e compartilhar a humanidade para todos.

O início de sua jornada foi marcado pela superação de desafios. Inicialmente, a ideia de um projeto de turismo comunitário foi recebida com resistência pela nova diretoria da associação local. Diante desse obstáculo, Simone e Eliseu decidiram criar algo próprio: a Ubuntu Ecoturismo, um projeto nascido da necessidade de preservar e compartilhar a riqueza da comunidade. Os serviços oferecidos pela Ubuntu são:
• trilhas guiadas;
• observação de pássaros;
• imersão na comunidade;
• piscinas naturais;
• traslados; e
• artesanato.
Sua equipe opera de maneira flexível e adaptativa às necessidades do momento e à quantidade de pessoas por grupo, desempenhando funções como gerenciamento do camping, agendamento de trilhas, entre outras. A Ubuntu reconhece a necessidade de identificação e a responsabilidade de seus condutores locais, por isso lhes fornece vestimentas de identificação e treinamento para garantir a qualidade do atendimento. Todas as pessoas envolvidas são da comunidade quilombola.
A cada cliente que realiza um passeio com a Ubuntu, R$ 30 do valor total pago são revertidos para o caixa da associação local, destinado à manutenção de itens e espaços da comunidade, como os cuidados com o camping ou a troca de lâmpadas. Há ainda o acordo de não oferecer alimentos e bebidas para os clientes, para incentivar o consumo no bar da associação e contribuir para que a compra de água e afins gere recursos.
A Ubuntu Ecoturismo cativa um público diversificado, abrindo suas trilhas para todos os perfis. Sua hospitalidade transcende fronteiras, recebem visitantes de diferentes partes do mundo – já acolheram aventureiros franceses, uruguaios, argentinos e alemães.
Eliseu destaca a importância de focar não apenas no turismo, mas também na comunidade local. O envolvimento e a valorização dessas comunidades são essenciais para evitar os impactos negativos do turismo de massa. A parceria com os empreendedores e condutores locais visa um desenvolvimento justo e sustentável para todos.
A educação é uma parte essencial do compromisso da agência. Escolas públicas visitam gratuitamente a comunidade, que compartilha conhecimentos sobre a ecologia local e a história quilombola. Essa abordagem educativa reforça a inclusão social e permite que os alunos vivenciem saberes que complementam as matérias dadas em sala de aula.
A comunidade já foi locus de pesquisas de trabalhos de conclusão de curso, dissertações, teses e materiais audiovisuais, como um documentário produzido em 2015 com o apoio do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e do Ministério da Cultura.
A divulgação da Ubuntu Ecoturismo ganha força com o compartilhamento das experiências dos visitantes nas redes sociais da empresa. Além disso, mensagens via WhatsApp são enviadas com frequência pela agência, com informações detalhadas sobre o que é permitido, quais trilhas são adequadas para animais de estimação, entre outras importantes elucidações. Esse canal permite uma comunicação personalizada, garantindo que cada visitante esteja bem-informado e pronto para desfrutar plenamente de sua jornada.
A empresa se destaca por proporcionar experiências autênticas em suas sete trilhas, onde cada caminho revela uma narrativa singular enraizada na história local. Cada trilha é planejada para oferecer uma imersão na biodiversidade, nas histórias do tropeirismo e nas distintas características geológicas da região. Os visitantes têm o privilégio de explorar nascentes de água, seguir antigos caminhos rurais e testemunhar a rica fauna que habita a área. A atenção aos detalhes, desde as taipas antigas que demarcavam limites até as características geológicas como a presença de ametistas e quartzos, adiciona camadas de significado à jornada. Equipados com bastões e caneleiras de proteção contra picadas de cobra, os visitantes são guiados por uma experiência que valoriza não apenas a natureza intocada das trilhas, mas também o patrimônio cultural e natural da região. A Ubuntu se preocupa com toda a experiência e segurança do visitante.
Os critérios definidos pela empresa para seus serviços e projetos refletem um compromisso com o impacto positivo e com a inclusão. Ao abrir trilhas – como a do Encontro das Águas, acessível a cadeirantes –, prioriza a minimização do desmatamento e o aproveitamento consciente dos caminhos existentes. O respeito às regras ambientais é uma constante, com vistorias técnicas realizadas pelos órgãos ambientais. A abordagem de parcerias é orientada pela transparência, visando o bem coletivo da comunidade. Esse enfoque na coletividade é estendido para a relação com os fornecedores, em que os cuidados primordiais são com o fator humano.
“Somos abridores de oportunidades dentro e fora da comunidade, indicando as compras de produtos locais pelos visitantes que recebemos. Assim, fomentamos a distribuição de renda direta nas famílias e parceiros, valorizando a comunidade” (Eliseu).
A Ubuntu mantém uma comunicação franca e aberta na relação com os fornecedores, reconhecendo a importância do contato direto entre fornecedores e clientes. Esse cuidado humano é estendido a todos os aspectos do negócio, priorizando a forma como gostariam de ser tratados caso estivessem na posição dos visitantes. Assim, valorizam o relacionamento com seus fornecedores, incentivando-os a tratar os clientes com o mesmo respeito e atenção. A agência também se destaca por não interferir nas negociações financeiras entre fornecedores e clientes, criando uma dinâmica de valorização mútua. No processo de seleção de produtos, realiza visitas pessoais aos fornecedores, conhecendo não só os produtos como também o ambiente de produção, com o intuito de garantir a satisfação dos clientes. Essa abordagem se traduz nos critérios de seleção, que priorizam a saúde dos animais e a qualidade dos produtos, promovendo uma experiência autêntica e responsável.
A Ubuntu desempenha um papel significativo na promoção da inclusão social e econômica em sua comunidade quilombola. Apesar de ser uma empresa privada, abre suas portas sem custos para as famílias locais, fomentando o acesso à natureza e proporcionando momentos de lazer para membros da comunidade.
As trilhas oferecidas geram benefícios tangíveis para a associação da comunidade, com parte da receita direcionada diretamente para a organização. Isso reflete o compromisso dos sócios em compartilhar recursos financeiros com a comunidade por meio do turismo.
Os roteiros pelas trilhas que passam pelas nascentes locais têm um momento de sensibilização e orientação dos turistas, em que se incentiva o respeito pelos ecossistemas locais – essenciais na vida de cerca de 40 mil pessoas que dependem dessas fontes ao longo da costa –, e o recolhimento dos resíduos. A prática de realizar uma roda de conversa antes das trilhas, em que todos os detalhes são discutidos, reforça o comprometimento da Ubuntu em garantir a conscientização dos turistas.
A Ubuntu enfrenta desafios internos relacionados à gestão da comunidade, especialmente durante as fases de transição e eleições para a diretoria. As mudanças de liderança da comunidade podem introduzir perspectivas diferentes, como prioridades financeiras em detrimento de parcerias colaborativas. Já os desafios externos incluem a concorrência desleal de grandes empresas que, ao descaracterizarem a autenticidade da região, comprometem a inclusão social e afetam negativamente pequenos empreendimentos locais. A pressão econômica gerada por essas mudanças pode impactar a vitalidade das comunidades, levantando questões sobre o acesso futuro à região para residentes e visitantes. Outro desafio é manter a integridade da região diante das transformações que podem afetar sua identidade e sua sustentabilidade a longo prazo. Entretanto aponta ser notável a melhoria financeira na vida das pessoas da comunidade envolvidas com o turismo, que têm mais alimentos dentro de casa e mais saúde nas famílias.
O que aprendemos com o caso da Ubuntu Ecoturismo?
Trata cada cliente como parte da comunidade, proporcionando um atendimento personalizado e acolhedor.
Contribui ativamente para a sustentabilidade econômica da comunidade quilombola, gerando oportunidades de emprego e impulsionando o desenvolvimento local.
Possui compromisso com a conservação ambiental em suas trilhas.
Participação da comunidade em decisões e projetos da empresa, construindo uma consciência coletiva que beneficia não apenas a agência, mas toda a região.
Preocupação em garantir a qualidade e a responsabilidade de todos os processos, desde o fornecedor. A garantia se dá a partir de um contato mais próximo com os fornecedores, incluindo visitas a seus empreendimentos.