CAFÉ LAMAS (Rio de Janeiro/RJ)
Texto do Livro “Memória Afetiva do Botequim Carioca”, de Paulo Thiago de Mello e Zé Octávio Sebadelhe, publicado pela Editora José Olympio em 2015, em homenagem aos 450 anos do Rio de Janeiro.
Reproduzimos aqui no Lugarzinho um pequeno trecho da obra, onde os jornalistas descrevem, com a autoridade de quem entende tudo do assunto, o Café Lamas, um ícone entre os tantos botequins cariocas.
O livro traz também uma série de fotos antigas do Lamas, as quais não iremos reproduzir aqui, pois vale muito a pena ver e ler o livro completo.

CAFÉ LAMAS
No dia 4 de abril de 1974, o Café Lamas festejava o seu centenário com direito a um ato litúrgico e farta distribuição de chope. Em 1976, o tradicional bar fechava as portas, após décadas a fio de noitadas memoráveis, uma lista ímpar de frequentadores ilustres e milhares de histórias sem-fim.
Mas a casa não deixaria de existir e já se preparava para uma mudança de endereço. Fatalmente, o prédio que abrigava o antiquíssimo bar seria demolido para dar passagem às extensões das linhas do metrô. O Lamas teve, portanto, que ser transferido para outro lugar, próximo ao Largo do Machado, na vizinhança do seu ponto de origem, onde funcionou por mais de um século.

Transferido para a rua Marquês de Abrantes, no 18, o velho café reabriu com o nome oficial Café e Restaurante Lamas, e se mantém bravamente na ativa até os dias de hoje, firme e forte frente às intempéries do progresso e do implacável crescimento da cidade.
Inaugurado como Café Central, no fim do século XIX, a casa seria rebatizada em seguida, assumindo espontaneamente o sobrenome de seu carismático fundador, o português Manoel Thomé dos Santos Lamas, conhecido por toda gente, mas que mal aparecia no próprio negócio. A mudança de nome fazia sentido, pois todos se referiam ao estabelecimento como o café do seu Lamas.

Despretenciosamente, o humilde café ia, pouco a pouco, tornando-se conhecido nas imediações, principalmente por reunir eméritos membros da Academia Brasileira de Letras. Entre célebres literatos, o botequim era frequentado assiduamente por Machado de Assis, Olavo Bilac (estes dois com mesas cativas), José de Alencar, Coelho Neto, Ruy Barbosa e Manuel Bandeira, entre outros.
O antigo Lamas ficava em um sobrado de dois andares e se distribuía em três ambientes. Logo à entrada havia uma pequena mercearia, onde toldos listrados cobriam uma bancada de frutas e gêneros alimentícios vendidos a quilo. No interior, funcionavam o bar e o restaurante. Por fim, ao fundo do salão, os clientes encontravam uma comprida fileira de mesas profissionais de bilhar. A área era frequentada pelos bambas da sinuca. Ali, eram frequentes os campeonatos com os reis do taco do momento. Um ambiente mais do que clássico, pois, além dos bilhares, ainda existia uma barbearia. No que se refere ao gênero botequim, o termo “clássico” torna-se até mesmo simplório para descrever o que o velho Lamas significa para a história do Rio de Janeiro.

Quando o rio era capital Federal, podia-se percorrer a pé a distância que separava o Palácio do Catete do Lamas. O café servia de base e quartel-general para inúmeros políticos, tornando-se, assim, palco de conchavos e desconchavos, principalmente entre os anos 1930 e 1950, quando era possível esbarrar com o presidente Getúlio Vargas, que gostava de caminhar pelas ruas do Catete, Flamengo e Laranjeiras. Não era, portanto, incomum ver entre os habitués do café representantes da esfera política. Além do próprio Vargas, nomes como Carlos Lacerda, Afrânio de Melo Franco e o ministro Oswaldo aranha, que entraria para a história e para os cardápios da cidade ao dar nome a um prato que se tornou típico de botequim: o filé à Oswaldo Aranha.
Anos depois, o prato – servido com o corte de mignon alto, sempre malpassado, acompanhado de arroz, farofa, batatas portuguesas e bastante alho – iria gerar enorme polêmica entre os “arqueólogos” de botequim. Para uns, a receita originalmente carioca teria surgido mesmo no Lamas. Outros descartam a hipótese e defendem o seu surgimento no restaurante Cosmopolita, na Lapa, também frequentado pelo ex-ministro quando este saía do Palácio Monroe. Um dos filhos de Oswaldo Aranha garante, porém, que a invenção do prato ocorreu no Vermelhinho, o velho boteco em frente à Associação Brasileira de Imprensa, na rua Araújo Porto Alegre, e que, provavelmente, não leva alho, pois o pai seria alérgico a alho. O mistério permanece.

Hoje, o Café e Restaurante Lamas ainda mantém alguns vestígios de seus tempos de glória. Quem tem o prazer de visitar o local, na rua Marquês de Abrantes, ainda pode ver as estátuas de gesso das ninfas, que ficava na ladeada no jirau do antigo endereço, o livro de ouro com assinaturas históricas de Carmem Miranda, Sylvio caldas, Tônia Carrero e do próprio Getúlio, entre tantos, além de fotos da época que deixam o sabor saudoso dos tempos idos.
CAFÉ LAMAS – R. Marquês de Abrantes, 18a – Flamengo, Rio de Janeiro – RJ. Tel (21) 2556-0799