Pedro Schiavon | 21/09/2023 | 0 Comentários

CAFÉ PIU PIU

No final dos anos 80, comecinho dos 90, São Paulo era um tumulto só, com protestos, passeatas, comícios e tudo mais. Eu vinha de um colegial matutino em Santos para uma faculdade noturna na avenida Paulista, no olho do furacão, e não queria perder nada. É claro que se naquela época eu soubesse das coisas que eu sei hoje, tudo teria sido muito mais fácil. Mas quem disse que a vida é fácil?

A noite paulistana fervia e oferecia muitas opções. Minha turma se espalhava basicamente entre a velha e boa Madalena e a prainha. Mas de uma coisa que sei hoje eu já sabia naquela época: quando a intenção era um programa mais divertido, com bons shows, bom chopp, bons petiscos e nenhuma frescura, íamos ao Café Piu Piu.

O Café Piu Piu foi construído em 1983 sob a batuta do Sr. Luis Lustig, num galpão que antes abrigara uma oficina de carros e depois o Teatro 13 de Maio, com a finalidade de ser o que ele sempre foi: um lugar para ouvir música de qualidade.

Lustig nunca foi um empresário da noite. Nem sequer trabalhava nessa área. Apenas gostava de música e queria um bom lugar para ouvi-la. Montou, assim, um dos galpões mais bacanas da cidade, com tijolos à vista, madeiramento antigo e acústica perfeita, lembrando bares de antigas estações de trem ou os tradicionais bares de blues e jazz de Chicago e New Orleans.

Encheu-o então de ótimas bandas, principalmente bons nomes do jazz, do blues, da boa MPB e do velho e bom rock n’ roll. Por lá passaram vários artistas da chamada Vanguarda Paulista, como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Preme e Língua de Trapo; bandas de rock que despontavam na cidade, como o Ira! e o Ultraje à Rigor; e figuras clássicas do jazz & blues brasileiros como Paulo Moura, André Christóvão, Nuno Mindelis e a Traditional Jazz Band.

A charmosa casa recebeu então o nome de Piu Piu, bem simples, sonoro, musical e brasileiro. E se tornou imediatamente uma referência para a galera mais descolada da cidade, mantendo-se como um porto seguro na inconstante região do Bexiga.

O bairro italiano da cidade entrou em declínio nos anos 90. Várias cantinas se fecharam e diversos bares, na própria 13 de Maio, tiveram que encerrar suas atividades. E o Piu Piu ficou, firme, forte e lotado. O motivo? Ficou porque se manteve ótimo, como sempre foi, e porque muito mais do que um comércio, ele carrega o orgulho, o carinho e a dedicação de uma família.

Para provar isso, quem assumiu as rédeas da casa nesta época foi a Sra. Silvia Galant, esposa de Luis Lustig. Anos depois, já no início deste milênio, ela passou o comando ao filho Paulo, que, como seu pai, nunca fora um empresário da noite e até esta época vivia a agitação cotidiana da redação do jornal O Estado de São Paulo.

Paulo Lustig é uma cara despojado, cheio de histórias para contar e, acima de tudo, um amante do rock. Com isso, fez algumas reformas na casa, deixando o palco numa posição melhor para o público e adotou novos critérios para selecionar as bandas que nela tocam, eliminando sumariamente as que não atingem seu nível de exigência.

Fez mais: ajustou o cardápio, que já era muito bom, ao contrário de quase todas as casas noturnas da cidade, e ficou ainda melhor. Ali há um ótimo chopp e coquetéis bem elaborados, como a sangria feita com vinho tinto, abacaxi, laranja e refrigerante de limão. E há ótimos petiscos e surpresas como o já clássico Latkes, um bolinho de batata crocante, frito em lascas douradas.

Outras inovações estão nos bares, comandados por mulheres, e na eficiente, simpática e informal equipe de atendentes, já que bem antes de virar modinha a casa foi pioneira em contratar universitários no lugar de garçons.

Hoje, décadas depois e com o bar passando dos 40 anos, São Paulo mudou completamente, mas o simpático Piu Piu continua atraindo legiões de fãs da música verdadeira, tocada ao vivo e com competência por covers de Beatles, U2, Pink Floyd, Yes…, e por bandas especializadas em clássicos do rock, como Rockover, Almanak e Mustang 68.

Com isso, centenas de pessoas das mais diversas gerações disputam diariamente as mesinhas de mármore espalhadas pelo salão e pelo mezanino. E disputam os espaços que sobram para pular e dançar entre elas e para ver melhor o palco. Ali, todos estão felizes. Ali todos cantam. Ali não há “corações solitários”.

A mim, do pouco que sei hoje e do que menos ainda sabia há anos atrás, cabe tentar estar junto com eles sempre que possível. Longa vida ao rock n’ roll. Longa vida ao Café Piu Piu.

R. Treze de Maio, 134 – Bela Vista. Tel (11) 3258-8066

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