DO GENOMA À XÍCARA (Espírito Santo do Pinhal/SP)

VAMOS FALAR DE CAFÉ

A cidade amanhece sob intensa chuva; a gente pensa no trânsito inevitável, pensa no banho e na roupa, mas pensa principalmente no café que vai tomar antes de enfrentar o dia.

A reunião foi boa, agora voltarei para a minha mesa, farei um relatório e uns contatos, e, de passagem, aproveito para pegar mais um café.

A reunião foi péssima, uma perda de tempo. Vou voltar para minha mesa para reiniciar o plano, mas antes, preciso de um café.

Café, café, café: café que faz parte de vários momentos do dia, que encontramos em todos os cantos e, caso não o encontremos, que absurdo! Café instantâneo, cujo sabor a gente se acostuma; café expresso, que só sai bom, mesmo, na padaria ou no boteco; café descafeinado, café gourmetizado; o café para dar as boas notícias e amainar o efeito daquelas não tão boas.

Café para reunir. Café como pretexto para esticar o papo. E tem também o café para contar história – e que história!

DO GENÔMA À XÍCARA

Andréa Squilace se descobriu uma excelente contadora de uma história que nasceu com o café, na Fazenda Santa Rita do Olho D´Água, em Espírito Santo do Pinhal, interior de São Paulo. Pequena, a filha de fazendeiros se apressava em acompanhar o pai pela jornada diária na lavoura de café da propriedade. Cresceu. Tornou-se engenheira agrônoma. Conheceu o bom e o ruim de viver nesse meio. Chegou a pensar em seguir para outros rumos e beber em outras fontes, mas, como ela mesma diz, o café sempre a chamou.

Esse “chamado” a levou a criar o projeto “Do Genoma à Xícara”, para que, através dele, pudesse contar e ajudar a perpetuar a história da formação de seu município, da imigração italiana que foi a grande responsável pela introdução do cultivo de café na região e também da formação da comunidade local, e da própria história e produção do café.

Observando a facilidade com a qual a história se perde no momento em que um edifício centenário é demolido, ao invés de ser restaurado, a agrônoma percebeu a importância de seu projeto: manter viva a história de Pinhal, como carinhosamente chama o município, das fazendas de café e dos cafezais, apresentando toda a cadeia produtiva e fazendo o que denominou “Turismo do Café”.

O PASSEIO

O passeio “Do Genoma à Xícara” começa em frente ao Palácio do Café e à escultura Colhedor de Café, de Lecy Beltran, homenagem à arte de abanar o café e que, segundo explica Andréa, é algo que culturalmente está se perdendo. O Palácio, recentemente restaurado, vai funcionar como museu da história dos imigrantes. “Do Genoma à Xícara” tem uma sala garantida dentro dele.

A visita à Igreja de Nossa Senhora Aparecida, na Praça Cardeal Leme, segundo ponto da jornada, é oportunidade para conhecer a bela e menor igreja em estilo gótico do mundo; o coreto, construído sobre a antiga caixa d´água; os desenhos formados na calçada que remetem às araucárias que dão origem ao nome Espírito Santo do Pinhal e que estão em processo de extinção. Em seguida, a ida ao antigos galpões de armazenamento de café, feitos nos mesmos moldes dos galpões italianos.

Eis que é chegada a hora de entrar em um cafezal – os de bom espírito vão se oferecer para transportar alguns dos itens de que Andréa precisa para se paramentar como uma apanhadora de café e falar sobre as fases da colheita, desde a preparação do solo, as fases de maturação dos frutos, a colheita dos grãos, enfim, tudo o que precisa ser feito em uma lavoura para se obter um café de qualidade.

Vestindo uma longa saia sobre a calça jeans, ela explica que as saias eram a única indumentária das mulheres da lavoura, no passado. Com o passar dos anos e a entrada da calça como vestimenta para ambos os sexos, as mulheres da colheita de café mantiveram o uso da saia sobre as calças; essa era uma das formas de marcar a presença e de criar a entidade feminina no campo, juntamente com suas cantorias junto aos pés de café.

Depois de explicar sobre a aquisição, a análise e a preparação do solo para o plantio, Andréa convida crianças e adultos do grupo a compartilharem o trabalho, mostrando como se faz a derrubada dos grãos sobre os panos de café, pedindo aos pequenos que coloquem esses grãos sobre a peneira, e aos grandes que experimentem abanar o café. Junto ao pé de café, revela o grão nas diferentes fases e, colhendo grãos cereja, quando há mais concentração de açúcares, permite que cada um experimente e comprove a sabor e a doçura do pomo.

Quem participa do passeio tem a oportunidade de interagir e de imaginar como era e como é a realidade dos colhedores e dos cafeicultores, e de reconhecer o valor desse processo produtivo.

Do cafezal, o destino à última parada: a Fazenda Santa Rita do Olho D’Água, construída por imigrantes italianos no início do século 20; uma antiga propriedade de produção de café. É nela que Andréa relata com orgulho como os grãos são espalhados e rodados nos grandes terreiros de tijolos, o que se faz nas tulhas de armazenamento, o que era, no passado o pequeno oratório, apresentando todas as áreas da fazenda.

Nesse ponto, quem tanto ouviu falar sobre o café já é capaz de sentir o aroma – ainda não o sabor, mas esse nirvana está próximo: a idealizadora e guia do projeto conduz os integrantes a uma sala onde podem ver grãos de cafés depois de colhidos: o café beneficiado, torrado e moído. Bolos típicos da fazenda são colocados sobre a grande mesa e a bebida preciosa é, então, servida.

Andréa faz desse momento ocasião para ouvir como os novos amigos (porque sentar-se à mesa para um bom café é coisa de amigo) avaliam o percurso “Do Genoma à Xícara”.

Ela busca incansavelmente maneiras de contar cada vez melhor essa história, para que mais e mais pessoas, no Brasil e no mundo, sejam partícipes, também, de um processo do qual gerações fizeram parte. Seu maior desejo é manter vivo o legado deixado por elas, empenho de muitas mãos para honrar o fruto singular dessa terra.

Telefone (19) 99921-1272

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