KINTARO
Você nunca ouvirá alguém comentar “eu conheço um lugarzinho muito parecido com o Kintaro”. Nada é muito parecido com o Kintaro, porque este é um daqueles lugares que não podem existir em lugar algum do mundo, exceto em São Paulo.
O Kintaro (pronuncia-se “Kintarô”) é uma espécie de izakaya – os bares japoneses especializados em sakês – mas bem “abrasileirado”, no sentido de trocar as tradicionais cerimônias dos bares orientais pela descontração e a informalidade quase escrachada dos botequins brasileiros.

Trata-se de um minúsculo boteco, cuja porta passa quase despercebida entre os diversos restaurantes japoneses da rua Tomás Gonzaga, onde os frequentadores se espremem para saborear as exóticas e fartas porções preparadas por dona Líria e exibidas diretamente na vitrine.
Muito do que há ali, só há ali, pois não costuma fazer parte dos cardápios mais refinados do bairro, repletos de sushis, tamakis e sashimis. Ali é comida de boteco mesmo, só que japonesa (algumas com sotaque brasileiro) e servida em porções.

Ali os desbravadores encontram, entre diversas opções, Kakiague (tempurá de camarão com legumes), costelinha no missô e cebolinha, Nirá (um parente do alho e da cebolinha) com ovo, Tamagoiaki (um tipo de omelete com shoyu e sakê) com algas, bardana (uma planta oriental) apimentada, berinjela com missô, Carapau (um peixe de sabor bem forte) com vinagre, ovas de peixe, marisco, ostra agridoce e polvo com pepino – normalmente a porção mais vendida na casa. Tudo preparado pela matriarca da família proprietária. Tudo muito estranho, mas muito saboroso e sempre acompanhado de cervejas extremamente geladas.
E tem também, claro, o famoso Chanko Nabe, conhecido como “a comida dos lutadores de sumô”, feita por encomenda para, no mínimo, seis pessoas. O Chanko Nabe é um grande cozido feito com grandes quantidades de fontes de proteína, como frango, peixe, tofu, carne de gado e de porco, frutos do mar, verduras, legumes e o que mais houver pelo caminho entre a cozinheira e a panela. É comumente consumido pelos “sumotoris” em enorme quantidade e acompanhado por cerveja e arroz, para aumentar o consumo calórico dos lutadores.

Explica-se: os simpatissíssimos irmãos William e Wagner – ou Kato e Yoshi – Higushi, filhos de dona Líria, são praticantes do sumô e grande divulgadores desta arte em São Paulo. Kato e Yoshi participam – e vencem – de diversos campeonatos da tradicional luta japonesa, tanto no próprio bairro da Liberdade quanto mundo afora, enquanto seguem a tradição de dedicação nipônica e se desdobram entre o estudo durante o dia e o trabalho – o alegre e festivo atendimento ao público do bar – no período da noite.
A clientela, geralmente formada por um grupo eclético que inclui jovens brasileiros, muitos nisseis e sanseis e majoritariamente masculina, costuma receber também os amigos e diversos outros lutadores de sumô, que se esbaldam com as comidas, o divertido bate-papo e os diversos cartazes da milenar luta, incluindo aí a tabela do campeonato japonês, devidamente acompanhado em seu andamento.

Estranho para alguns, apertado e desajeitado para outros, o fato é que o Kintaro já está lá desde 1993 e nestas três décadas passou a ser conhecido por todos como o “izakaya brasileiro” – um lugar onde Brasil e Japão se abraçam, numa saudável e deliciosa mistura de cultura e simpatia, criatividade e respeito, despojamento e tradição.