Pedro Schiavon | 25/07/2023 | 0 Comentários

LONDON 335

Cena 1: o publicitário Renato está jogando pinball em uma máquina com imagens do filme “Indiana Jones”. Ele ganha algumas bolas extras e passa um bom tempo ali, até que se cansa e para. Ele puxa a alavanca do refrigerador GE, pega lá de dentro uma cerveja e vai sentar com os amigos de faculdade num canto da pequena sala.

Cena 2: a designer Stela anda entre as estantes observando os brinquedos. Ela mexe com o robô Arthur, testa o Gênius e examina o boneco Topo Gigio, pensando no quarto do bebê. Ela pega então um cubo mágico e vai se sentar numa poltrona de vinil vermelho com pés palito, perto do marido e do resto da turma.

Cena 3: o arquiteto Rubinho observa as luminárias espalhadas pela casa enquanto passa por cartazes publicitários da Crush, da Grapette e do novo Chevette. Ele pega um LP do Velvet Underground e põe para tocar numa vitrola portátil Philips vermelha. Depois, senta-se numa cadeira de balanço para curtir o som e conversar com os amigos.

Cena 4: a diretora de arte Cristiana anda pela sala observando as luminárias. Ela também possui um grande acervo cenográfico e foi até o local para sondar algumas peças, mas acabou curtindo a casa e ficou com os amigos para tomar alguns drinques e jogar conversa fora.

Essas cenas não são parte de nenhum filme. Isso é só o que costuma acontecer rotineira e descompromissadamente no London 335, minúsculo bar que simplesmente “aconteceu” na vida do simpático e descolado Ricardo Demboschi, seu proprietário, barman, porteiro, DJ, caixa, garçom, decorador e o que mais for necessário.

Ricardo é proprietário de um antiquário há 20 anos. A princípio, sua loja era na Cardeal Arcoverde, em Pinheiros. Depois mudou para a Rua dos Ingleses e há mais de 10 anos abriga um pequeno bar, que só existe de verdade nas noites de sexta e sábado, quando a casa recebe os amigos para umas cervejas e uns coquetéis.

Essa história começou pelos clientes. Como a loja vende e aluga muito material “de época” para cenografias, ela é frequentada por um pessoal ligado à produtoras, cinema, teatro etc, que aos poucos foi fazendo amizade e alongando o bate-papo antes de ir embora. E como a conversa sempre fluiu e o assunto foi ficando cada vez mais divertido e animado, ninguém queria ir embora. Foi aí que começou a faltar cerveja.

Deste modo, Ricardo foi convencido pelos clientes/amigos a colocar as geladeiras à venda em funcionamento. Abastecidas de cervejas e refrigerantes, elas seguem à venda, mas passaram a ser utilizadas para também aplacar a sede dos amigos/clientes.

Como uma coisa leva a outra e criatividade é o que menos falta no local, Ricardo criou também alguns drinques, como o homônimo da casa, que leva tequila, tangerina e triple sec, e o Jack Sparow, que leva Jack Daniels, grenadine e suco de caju. E só. Como não há cozinha, não há petiscos, salvo o improviso de algum amendoim que surja de vez em quando.

O que ocorre é que tudo se passa no minúsculo espaço do antiquário, como se fosse a sala da casa de um amigo (e na verdade é, porque só entra quem for convidado ou ligar antes). Não há espaço para mesinhas ou qualquer outro acréscimo. Mas quem se importa com isso, se todos os móveis e objetos “vintage” da loja entram em uso para acomodar os amigos?

Não há assunto proibido. Cada papo é apenas um gancho que puxa outro e mais outro madrugada adentro. Não há ninguém fora da conversa. O tamanho do local e o restritíssimo acesso fazem com que todos se conheçam, se juntem, se integrem.

E não há tempo perdido. A cada minuto se descobre algo interessante, algum objeto do passado, alguma chance de jogar nas disputadas máquinas de pimball. Descobre-se, sim, a cada instante, uma oportunidade de voltar à infância por alguns segundos, mergulhando em algum momento esquecido na memória e voltando para um presente divertido e amigável.

Os clientes da casa chegam a se esquecer que o London é uma loja. São frequentes as perguntas do tipo “onde está aquele puff onde eu sentei na semana passada?” ou “por que você tirou aquele tapete lindo daqui?”. Continuamente, as peças vão embora, vendidas. Estão ali para isso. Sobra ao cliente uma certa expressão de arrependimento por não ter comprado primeiro.

Mas sobra muito mais, e por isso ninguém se queixa. Sobra um bar que, exatamente por isso, tem uma nova cara a cada semana. Sobra um antiquário divertido, com espírito de boteco. E sobra um clima de descontração e amizade, com assuntos que, para a alegria de todos, nunca terminam e ficam sempre para a semana seguinte.

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