Pedro Schiavon | 01/09/2023 | 0 Comentários

TEMPLO BAR DE FÉ

“Ó, Pai! Abençoai vossos filhos que aqui se reúnem buscando boas coisas da vida. Derramai tua graça sobre os cotovelos no balcão, o bate papo entre amigos, os brindes intermináveis”.

Desse jeito, o cardápio em formato de missal do Templo abre suas preces para receber o rebanho de clientes que rapidamente formou uma freguesia bastante fiel, alegre e festiva que lota o bar, religiosamente, de quarta a domingo.

O Templo, que carrega o subtítulo “Bar de Fé”, é uma daquelas coisas que só acontecem no Brasil. E isso é um elogio – ao bar e ao país – pois em qualquer outro lugar do mundo misturar temas cristãos, umbandistas, hinduístas, budistas e sabe-se lá mais o quê seria motivo até para uma guerra.

Mas o eminente boteco da Mooca faz tudo isso com muita graça e respeito. Num amplo galpão aberto por uma suntuosa porta de 700 anos feita de madeira entalhada e que pertenceu a uma mesquita marroquina, o bar espalha mais de 800 imagens de diversas religiões diferentes, além de frases bastante espirituosas oriundas das fés mais diversas.

O destaque fica para as 13 estátuas de mais de 2 metros de altura – feitas em barro pelo artista Ney Meirelles, de Parintins, representando divindades como Nossa Senhora, Ganesh, Buda, Iemanjá e até um Santo Antonio devidamente instalado de cabeça para baixo, como mandam as simpatias das moças casadoiras.

Completando o ambiente barroco, que foge da mesmice do neo padrão boteco-chique da cidade, um teto forrado de fitinhas do Bonfim, mesas coletivas e bancos de igreja (que ampliam o clima de confraternização) e até um confessionário, além de um palco acolhido por dois anjos meio alegóricos, criando uma espécie de altar improvisado para os grupos que ali tocam.

Como o Templo é uma casa “irmã”, do Samba, da Vila Madalena, o som que rola não poderia ser outro. Às quartas, quintas, sábados e domingos, diversos grupos se revezam no palco tocando e armando as melhores rodas com o pessoal que não se segura nas cadeiras.

A exceção é a sexta-feira, quando o Diabo também resolve participar da mistura religiosa e manda das profundezas o que se habituou chamar por aí de sertanejo universitário. Uma mostra de que ali até o inferno tem direito a uma canjinha…

Mas deixando as grelhas de lado, vamos a outros assados e afins, que ali são de primeiríssima linha e cujo cardápio-missal é motivo de mais brincadeiras e alegrias.

Uma mostra disso é o “Despacho”, descrito logo nos ritos iniciais como frango assado na televisão de cachorro com farofa de macumba, batatinhas e ervas. E você ainda pode “montar seu próprio despacho”, só com asas, só coxas, sobre coxas ou peito, devidamente acompanhados de velas brancas.

Quase todos os pratos ou porções chamam a atenção no menu, seja pelo enredo ou pelo nome. É o caso da “Sacanagem” (palitinhos de festa criados na hora com salsicha, picles, queijo, provolone, ovo de codorna, aliche e tomatinhos), as porções de pastel “de feira” (com respeitosos pastelões), a “Redenção dos Pecados” (caldinhos de piranha, feijão ou mocotó que, segundo a casa, curam qualquer ressaca) ou ainda os “Acarajezinhos de Meu Rei” (uma porção de mini-acrajés com vatapá, camarão, vinagrete e pimenta).

Nessa mistura toda, todo mundo é bem-vindo. E para deixar claro que ali a alegria é levada bastante a sério, o Templo avisa: “Sob este teto louvaremos a santa trindade – música, bebes e comes – sempre em comunhão. Colecionaremos sorrisos, acolheremos os queridos, alcançaremos o céu”.

Afinal, já alertava o poeta: “Fazer samba não é contar piada / e quem faz samba assim não é de nada / o bom samba é uma forma de oração…”

A benção, poetinha!

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