BAR DO SALIM
* Estabelecimento fechado
Imagine a seguinte cena: o sujeito vai pela primeira vez a um centro espírita, meio ansioso e com um pouco de medo do que poderá encontrar. Já está quase relaxado quando o chão começa a tremer de forma assustadora e ele sai correndo para bem longe dali e sabe-se lá se um dia vai voltar.
A história era contada pelo jornalista Gilberto Amendola, na época do Jornal da Tarde, e virou folclore na região de Pinheiros, onde o fenômeno sobrenatural acontecia com certa freqüência no Centro Espírita Mensageiros da Paz e Esperança.
Na verdade, ele acontecia em todas as noites quentes, quando os potentes ventiladores de teto do vizinho de baixo, o Bar do Salim, precisavam ser ligados, refrescando todos os freqüentadores do andar de baixo e fazendo tremer todo o assoalho do andar de cima do belo casarão de 1937.
A convivência entre os dois lugares tão diferentes, ao contrário do que se possa imaginar, não só era pacífica, como era bem-vinda por ambas as partes, que estabeleceram algumas regras de boa vizinhança e juram que muitas pessoas aproveitavam para freqüentar os dois lugares no mesmo dia. Coisas de Brasil…
Bom… o Bar do Salim nasceu de um antigo botecão meio largado e despercebido naquela esquina, que pertencia ao Salim e que já se chamava Bar do Salim. Outro Salim comprou o Bar do Salim do antigo Salim. Isto é: o primeiro Salim montou o boteco. O segundo Salim comprou dele e reformou. O segundo Salim não se chama Salim, conforme confidenciou o garçom, mas como todo mundo o conhece como Salim e como o bar se chamava Bar do Salim, ficou sendo Salim e pronto. Super simples, não é?
A reforma deixou o lugar lindo, envidraçado e amplo, não lembrando em nada o antigo boteco, mas ainda com ares de boteco. Também nada ali, exceto a comida, lembrava a culinária ou a cultura árabe. Não havia pôsteres, nem fotos, nem bandeiras, nem música árabe, mas era árabe. Não havia sequer uma placa que indicasse que ali fosse o Bar do Salim, mas era o Bar do Salim.
E um boteco árabe não é uma coisa muito comum de se ver por aí. O que se vê são alguns bons restaurantes, um montão de kebaberias e infinitas lanchonetes bem populares, no mau sentido. Boteco é diferente.
Neste boteco, havia um grande balcão de acepipes, como em tantos bares, que era a única herança de antes da reforma. Neste balcão, no entanto, além dos tradicionais queijos, salsichinhas, cebolinhas, picles, pasteizinhos etc, havia pequenas esfihas, quibes, ganeshes, homus, coalhadas e outros petiscos árabes.
Entre as bebidas, além de brasileiríssimas cervejas e caipirinhas, havia coisas como o arak, bebida árabe destilada da uva ou da tâmara. E para manter a mistura de origens, o já famoso Falafé (abrasileirado de falafel), bolinho de fava com grão-de-bico moído, enrolado em sementes de gergelim e recheado de camarões graúdos inteiros.
Mas o forte da casa não poderia deixar de ser os pratos, não como os de um bar, mas como os de um restaurante de primeira linha. Destaque para o quibe de bandeja rechaeado e, principalmente, para a deliciosa kafta, servida assada em uma travessa no formato de um imenso hambúrguer, acompanhada de um molho de tomate cheio de especiarias.
A gastronomia árabe era fruto da riquíssima mescla das tradições do Oriente Médio com as culturas e tradições de vários povos e civilizações com as quais eles cruzaram por seus caminhos. Suas origens estão nos beduínos, cuja alimentação sempre foi influenciada pelo deserto que freqüentemente atravessavam e pelos sabores que encontravam de um lado a outro, formando uma exótica e deliciosa “Cozinha das Arábias”.
O Bar do Salim fechou suas portas antes mesmo da pandemia, vítima da especulação imobiliária que derrubou o antigo casarão para a construção de mais um prédio.
A KAFTA
A Kafta, ou cafta, um bolo de carne grelhado ou assado, é um prato árabe muito apreciado ao redor do mundo. Diz a lenda que esse prato foi criado quando um rei ou sultão de um reino árabe mandou cortar o pênis de seu caften, que tomava conta do harém e que estava transando com várias de suas mulheres. Quando o sultão descobriu mandou aplicar o castigo. Depois de ter o pênis cortado, o caften foi enforcado.
As mulheres do sultão, apaixonadas pelo caften e muito tristes com sua morte, criaram, então, a cafta, em homenagem ao incansável amante. Daí o formato fálico no qual o prato normalmente é servido até hoje.