Pedro Schiavon | 17/08/2023 | 0 Comentários

BAR LÉO

Algumas coisas são de suma importância para o desenvolvimento do país e merecem a atenção e a dedicação de todos na sua fiscalização. Não me refiro aqui a questões banais, como o aumento dos impostos, a falta de segurança, a ausência de hospitais ou o sucateamento das escolas públicas, mas sim a algo mais relevante: o colarinho do chopp.

A coisa toda é tão séria que, após um bar de Blumenau ser multado pelo Inmetro por vender o produto no copo com 60% de líquido e 40% de espuma, o assunto foi parar na pauta do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que decidiu que “o colarinho do chopp deve ser considerado parte integrante do produto”.

Por via das dúvidas, o pessoal do Bar Léo deixa bem claro: “Aqui o chopp é assim. Se você não gosta não tem problema, na padaria vende cerveja sem colarinho. Basta atravessar a rua”.

Brincadeiras à parte, o Bar Léo é uma lenda paulistana. Todo mundo já ouviu falar, mas muitos nunca se aventuraram a ir até lá. E dos que foram, nem todos conseguiram entrar. Mas todos os que conseguiram provocam a inveja dos demais, contando alegre e detalhadamente os prazeres vividos naquelas terras sempre que lhes dão a oportunidade.

O bar foi aberto em 1940 por um alemão chamado Paulo e, como não tinha nem nome nem placa, ficou conhecido como Bar do Alemão. Poucos anos depois, ele foi adquirido pelo Seu Leopoldo, o Léo, que promoveu algumas mudanças na casa e conquistou a clientela da região. E como continuou sem nome, passou a ser chamado de Bar do Léo, e depois, Bar Léo.

A principal mudança que Seu Léo fez na casa foi a inclusão, no cardápio, de refeições típicas alemãs, preparadas por sua esposa e que, de imediato, caíram no gosto dos frequentadores.

Um desses fregueses era o Sr. Hermes de Rosa, que adquiriu o bar em 1964 e implantou as novidades que faltavam. Primeiro, oficializou o nome do bar como Bar Léo. Depois, passou a servir almoço de segunda a sexta com um cardápio pré-estabelecido. E, por fim, a principal novidade: o chopp servido passou a ser o melhor da cidade, estabelecendo como principal característica o cremoso colarinho – uma novidade na época.

De lá para cá o bar coleciona causos. São histórias do tempo em que não permitia a entrada de homens de camiseta regata nem de moças desacompanhadas. Histórias de quando o cartunista Ferreirinha criou na mesa do bar o logotipo da casa. Histórias do “desamparo” dos clientes do bar durante as férias coletivas dos funcionários, que ocorria no mês de fevereiro e até pouco tempo se dava segunda quinzena de julho. Histórias como a do Sr. Luiz Oliveira, o “Luizinho”, funcionário do Léo há quase 60 anos e que, mesmo aposentado, continuou trabalhando lá, mas que passou a ir e voltar de táxi por cortesia da Cícera, filha do Sr. Hermes de Rosa, que passou a comandar a casa após o falecimento do pai, em 2003, e depois vendeu-a para a Fábrica de Bares.

Pode-se dizer que os pratos fazem sucesso, mas é a fama dos canapés, das porções de frios e dos sanduíches que atravessam as fronteiras. São canapés como o Rococó (de pasta de gorgonzola e copa), o Hackpeter (carne e crua) ou o Blumenau (lingüiça defumada moída). São sanduíches de rosbife caseiro, de queijo prato ou o Polaco, que junta os dois ingredientes e cebola. E são porções de frios diversos, de queijo parmesão, de pepinos com cebolinhas, azeitonas, bolinhos de carne e os famosos bolinhos de bacalhau que, apesar do clamor popular, só são feitos às quartas e sábados.

E, finalmente, o chopp. A Brahma descarrega diariamente caminhões de barris no Bar Léo. Logo que chegam eles são acondicionados em locais refrigerados para não perder suas características originais e antes de chegarem à torneira ainda passam por um pré-resfriador e uma quilométrica serpentina. Por isso e muito mais recebeu da fornecedora o certificado da “Real Academia do Chopp” nas categorias “Diplomata do Chopp”, que é dado ao dono do bar e “Rei do Colarinho”, destinado aos tiradores de chopp.

Somente essas valiosas recompensas levariam tamanha multidão a se deslocar até ali, sob riscos diversos e a quase certeza de não encontrar lugar para sentar, além de ter de acatar seu implacável horário de funcionamento.

Mas ninguém liga. Basta olhar para ver que todo mundo ali está feliz. A vida parece uma grande festa entre as paredes do Léo. E são paredes altivas, vaidosas de sua história e de seu presente, e que exibem com orgulho uma grande coleção de bolachas de chopp e matérias de jornais e revistas sobre o bar, incluindo uma reportagem que o saudoso jornalista norte-americano David Drew Zingg fez para a “Playboy”, na qual elege o Bar Léo como um dos cinco melhores do mundo.

É de Zingg também um texto do qual me lembrei, publicada há quase sessenta anos pela extinta revista “Realidade” onde ele conta por que resolveu morar no Brasil. Em sua fala, o jornalista revela com um “olhar estrangeiro” um Brasil que muitos brasileiros não conseguem ver:

“Cheguei à conclusão de que existe algo simples, mas muito forte – um tipo de cola humana indestrutível – que junta numa ideia só este grande país. Ao olhar para um brasileiro, sinto que ele tem a absoluta certeza do que é. E acredito que essa certeza vem do fato dele ter sido muito amado, desde muito cedo e durante muito tempo.

Para mim o Brasil é um país habitado por pessoas que têm sido muito amadas e que têm capacidade de transmitir esse amor. Aqui se encontra o amor à vida que impede o derramamento de sangue, que mantém as pessoas vivas, no verdadeiro sentido da palavra.

Como estrangeiro, vejo sempre o carinho enchendo as ruas. Às vezes é um menino e uma menina, ou dois meninos, ou uma moça e uma velha, ou um homem e uma mulher. Mas seja o que for, há muitos, o suficiente para fazer a alma cantar.”

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