Pedro Schiavon | 17/08/2023 | 0 Comentários

PARIBAR / GASPAR

“Meio dos anos 50. Um clima meio cool, as notas sustenidas do piano de Dick Farney pairavam no ar e sublinhavam a cálida noite paulistana. Encravado num prédio da praça Dom José Gaspar, com um recuo providencial de 4 a 5 metros e uma extensão de uns 25, estava o Paribar, feito de encomenda para os boêmios que gostavam de ficar flanando ao ar livre, mas, ao mesmo tempo, protegidos da chuva, trovoadas e demais intempéries da trepidante Paulicéia”.

É assim que o saudoso Marcos Rey, assíduo frequentador, descreveu parte do que significava o Paribar, ícone não de uma, mas de muitas gerações. O bar foi símbolo do que era o centro de São Paulo: o que havia de melhor e mais sofisticado no país.

O Paribar foi inaugurado em 1949 e sempre pareceu um bar saído dos filmes daquela época, daqueles em que o personagem chega de terno, senta-se ao balcão e pede um whisky. Sua acompanhante, que ainda não sabe disso, mas irá conhecê-lo no próprio bar, usa chapéu e toma um drinque clássico qualquer, normalmente um Dry Martini.

Criado pela família Ducco, o Paribar cresceu nas mãos do Sr. Franco Zanuzo. Ele manteve o ambiente, que sempre foi sóbrio, discreto, com alguns quadros e as colunas ovaladas que ajudam na sustentação do prédio. Porém, decidiu colocar as famosas mesas nas calçadas e o toldo verde em homenagem ao seu Palmeiras, além de promover uma espécie de happy hour na casa e caprichar na oferta de whisky escocês.

Foi a senha para que a casa se transformasse no principal ponto de encontro dos profissionais bem-sucedidos da cidade. A proximidade dos grandes jornais, da biblioteca Mário de Andrade e das maiores agências de publicidade do país fizeram do “Pastifício Ristorante e Bar” uma vitrine dos mais representativos jornalistas e publicitários, profissionais que Eram ou que já tinham Sido, todos papeadores com vinte mil horas de bar e boteco, gente à procura de sensações, amigos e oportunidades.

A fama do bar cresceu tanto e são tantas as loucuras reais que aconteceram ali, que fica difícil definir o que é fato e o que é pura lenda, dado o número de testemunhas que juram ter presenciado cada uma dessas histórias. Verdadeiras ou não, e como “mentiras sinceras me interessam”, prefiro acreditar.

É o caso da visita dos Rolling Stones ao Brasil nos anos 70, quando, conta-se, Mick Jagger e Keith Richards passaram alegres tardes regadas à whisky nas mesas do Paribar. E é o caso ainda mais incrível das visitas de Che Guevara ao local por duas vezes: uma oficial, em 1961, ao receber a Grã Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul das mãos do presidente Jânio Quadros, outra, clandestinamente, em novembro de 1966, quando já se tornara um ícone e a menos de um ano de sua morte. Como a passagem dele por São Paulo parece ser comprovada e como o bar fazia-se um reduto da esquerda, o fato parece bastante plausível.

Esta incrível parte da história se encerra em 1983, quando, com a decadência do centro da cidade e o consequente afastamento de sua ilustre clientela, o Paribar fechou suas portas.

Foi quase ao acaso que o chef e empresário Luiz Campiglia devolveu à boemia da cidade o lugar que lhe é de direito. Quando ele que assumiu o espaço, foi para montar o restaurante Santa Fé. Mas uma série de detalhes, como o apelo dos clientes e a então recente revitalização do centro, o levaram a remodelar a casa e a reinaugurar, em 2010, o Paribar.

Sem a intenção de ressuscitá-lo, mas sim de homenageá-lo, Campiglia recuperou elementos de distintas fases do bar. O balcão iluminado, com suas banquetas de madeira com braços e todo o seu projeto de iluminação seguem os moldes da sua origem, nos anos 40. A fachada original, de mármore italiano, também foi totalmente recuperada. Um toldo verde e branco, semelhante ao original, foi instalado. E as charmosas cadeiras de vime voltaram a ocupar sua famosa varanda.

Para manter-se clássico e, ao mesmo tempo, promover uma renovação, a casa trouxe o experiente barman Kascão Oliveira (ex-Dry e Shaker Club), craque em clássicos como o Negroni, o Alexander e o Dry Martini, mas também em novas criações como o Kasato Maru (saquê, xarope de chá verde, suco de limão e raiz-forte) ou o Hennessy City SP (conhaque, suco de cramberry, xarope de romã e suco de limão), além de uma ótima seleção de caipirinhas.

Para acompanhar tudo isso, petiscos inspirados nos Mercadão – um dos símbolos da revitalização do centro – como o Viagra (misto de amendoins) e os Frios do Mercado Municipal (picanha defumada, pastrami, lombo condimentado e presunto tipo alemão). Há também pratos diversos, mas quem liga? É difícil pensar no jantar em um lugar assim.

Mas tudo em São Paulo é dinâmico demais e em meio ao furacão causado pela pandemia o bar mudou novamente de mãos – passando a ser comandado pelo jovem trio Gilberto Malva Filho, João Branco e Felipe Giacon – e de nome, passando a se chamar Gaspar, em homenagem a histórica praça que o acolhe.

Com tudo isso, um novo público, formado principalmente por profissionais entre os 30 e 50 anos, passou a frequentar a casa, mas os velhos clientes também voltaram para reavivar as recordações.

Todos eles, novos e antigos, sabem que os clássicos são para sempre. Eles apreciam bares antigos, bons coquetéis e o velho centro, que está cada dia mais parecido com o que já foi um dia, cheio de charme e de classe.

Agora é só ir até lá, escolher sua mesa, sentar e ver o povo passar. Assistir calmamente àquilo que o Marcos Rey um dia chamou de “o espetáculo da cidade”.

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