ACRÓPOLIS

Texto do livro “50 restaurantes com mais de 50 – 5 décadas da gastronomia paulistana”, de Janaína Rueda e Rafael Tonon

Não foram só os italianos, os árabes, os japoneses, os espanhóis… São Paulo também atraiu imigrantes de todas as regiões do Hemisfério Norte com a promessa de ser uma cidade em franco desenvolvimento – principalmente após o fim da Primeira Guerra, com os edifícios, os bondes, a iluminação, as lojas, os restaurantes. O grego Thrassyvoulos Georgios Petrakis chegou aqui em 1961 com a esposa e a primeira filha no colo. Logo passou a trabalhar no Cantinho Grego, restaurante de um conterrâneo na região do Bom Retiro, inaugurado dois anos antes. Começou como garçom, anos depois se tornou gerente e braço direito do fundador. No começo da década de 1970, viu uma possibilidade de comprar o restaurante e não perdeu a chance. Rebatizou-o de Acrópoles, fez algumas melhorias no espaço, alterou o cardápio e, assim, colocou seu nome na história da restauração paulistana.

O endereço seguiu o mesmo, na Rua da Graça, atendendo funcionários e donos das inúmeras lojas têxteis da região, executivos e todo o tipo de clientes que se deslocavam até a Zona Central da cidade, se preciso fosse, só para comer as receitas preparadas na cozinha aberta ao fundo do salão – muito antes de isso ser uma tendência na gastronomia, claro. O cliente não escolhe o que quer pelo cardápio (embora haja, na parede, um quadro com as receitas servidas na casa), mas indo até a cozinha e olhando, pelo janelão envidraçado, os pratos feitos no dia, sem conseguir muito chegar a uma conclusão que lhe pareça devidamente convincente sobre o que optar. Sai-se bem em quase tudo, mas ainda melhor se apostar na mussaká (espécie de torta grega feita com carne moída, batata e berinjela), nas lulas recheadas, no arroz de camarão. É uma comida mediterrânea na sua concepção mais tradicional, rústica, mas com um jeito todo de comfort

Seu Trasso, como ficou conhecido, sempre se ocupou em passar nas mesas para averiguar a qualidade da comida e a satisfação dos clientes. Entre os passos, ajeitava uma cadeira ou recolhia uma tigela, mas sem nunca abaixar o olhar, sempre atento ao que acontecia no apertado salão decorado com motivos gregos – dos quadros de pontos turísticos do país à reprodução das colunas nas prateleiras dos vinhos. Não raro, sugeria outros pratos, ia até a cozinha e trazia um pouco de algo que você precisava, sim, provar, como não? – “não dá pra sair sem comer o polvo ao vinagrete”, dizia. Aos 97 anos e mais de 5 décadas de trabalho diário naquele mesmo endereço (o restaurante abre de segunda a domingo, das 7 e meia às 20 horas), recebia os clientes com um discreto mas convincente sorriso. Ele faleceu em 2016, deixando o seu legado com as filhas Aglaia, Nikki e Katherine, que continuam a tocar o negócio.

Na nossa última visita ao restaurante, Seu Trasso estava sentado em uma das mesas próxima à porta, supervisionando tudo, como sempre. Com a ajuda da bengala, levantou-se, passou por nós e perguntou-nos se a comida estava boa, alinhou uma das mesas e sentou perto da filha Nikki para pingar o colírio – “é pra ver melhor o que acontece por aqui”, brincou ele, com a visão já prejudicada por uma catarata. Pois é, Seu Trasso, é o olho do dono que mantém o sucesso de um estabelecimento.

R. da Graça, 364 – Bom Retiro, São Paulo

Telefone: (11) 3223-4386

O livro traz, na sequência, a maravilhosa receita do Mussaká da casa. Mas, nesse caso, só no livro mesmo, ok?

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