Pedro Schiavon | 01/08/2023 | 0 Comentários

MATRIX

* Estabelecimento fechado

“Load up on guns, bring your friends / It’s fun to lose and to pretend / She’s over bored and self assured / oh, no, I know a dirty word”… O som do Nirvana explodia dentro da casa. O público cantava junto, aos berros, algo sobre reunir os amigos e se divertir com eles, recusando as outras opções que o mundo tenta lhes impor. Isto era Matrix.

Em comum com o filme, talvez apenas a lembrança de uma cena em que Morpheus descreve a “Matrix” a Neo como a vaga intuição que ele teve durante toda a sua vida de que “há algo de errado com o mundo”. E parava por aí. O pequeno bar surgiu antes, com propósitos totalmente distintos e uma inspiração que vinha de longe, muito longe.

Foi em 1965, no auge da psicodelia e em plena San Francisco – a “Meca” da geração flower power – que o cantor Marty Balin fundou, ao mesmo tempo, o bar Matrix e a banda Jefferson Airplane, reunida originalmente para ser “a banda da casa”.

Frequentado por conhecidos nomes da chamada “contracultura” – como o jornalista Hunter S. Thompson ou o cientista Tomothy Leary – e principalmente por grandes músicos, o bar logo se tornou uma lenda, mesmo tendo resistido somente até 1972.

Não à toa, diversos discos gravados ao vivo naquele local se tornaram grandes preciosidades, como “Early Steppenwolf”, da banda homônima, “1969: The Velvet Underground Live”, “Live at Matrix 1967”, dos Doors, “Cheap Thrills”, do Big Brother & Holding Company, com Janis Joplin nos vocais, ou “Return to the Matrix 02/01/68”, do próprio Jefferson Airplane.

Foi 30 anos depois disso, em 1995, que o conhecido “boa praça” Gigio – apelido de José Francisco Wornicow Borges, um gaúcho filho de oficial da aeronáutica e descendente de russos, portugueses e líbios, mas radicado em casas paulistanas como o Superbacana ou a Dead Temple – resolveu montar no coração da Vila Madalena, como uma homenagem à lendária casa californiana, o Matrix.

A casa da Vila manteve seus propósitos: o espírito da contracultura estava lá, intacto, mantendo no ar uma espécie de crítica anárquica contra a ordem vigente. E o pessoal seguia o clima, abusando do esquema “jeans e camiseta” e descartando qualquer produção.

Era um local pequeno e despojado, com ambientes divididos entre um bar, uma pista de dança e um salão com mesas de bilhar. Eles eram interligados por corredores cobertos por cartazes de shows de Elvis, Nirvana, The Doors, Beatles, David Bowie etc, que deixavam bem claro que tipo de coisa você encontraria ali.

O bar do Matrix era básico e bom, sem grandes invenções – salvo por eventos com barmen contratados ou tequileiras – mas com preços justos e variedade mais que suficiente (vale destacar inclusive que esta foi a primeira casa noturna da cidade a vender energéticos). Como de um modo geral as mulheres não pagavam para entrar e os homens tinham seu custo de entrada revertido em consumo, o balcão acabava trabalhando ativamente, inclusive com grande produção de porções e sanduíches.

O charme da casa era a “sala dos fundos”, onde ficavam as mesas de bilhar. Era ali que acontecia o “aquecimento” para a noite, enquanto a pista não enchia. Haviam boas e animadas disputas nas caçapas, mas também era possível só trocar algumas tacadas para descontrair, evitando ficar “de bobeira” esperando as coisas começarem a acontecer. E se as mesas estivessem ocupadas era a chance para bisbilhotar as diferentes peças do pequeno brechó que funcionava ali dentro.

Mas a verdadeira razão da casa, o que fazia ela “ferver” mesmo, era a pista de dança. Minúscula, escura e sem grandes artimanhas além de um globo e algumas luzes, ela começava a lotar bem depois da meia-noite e seguia cheia até quase de manhã, povoada por um público sedento de uma única coisa: o bom e velho rock n’ roll.

Das pick-ups desde sempre comandas pelos DJs Aldo e Fabiano Bulgarelli saíam petardos que punham o público para dançar ao som dos “jovens” Arctic Monkeys ou dos “clássicos” Stones, passando por Blur, The Cure, Van Halen, Smiths, Ramones e muito, muito mais. O que se queria dali era apenas isso: músicas autênticas de ídolos que não foram fabricados. Razão de sobra para a pequena pista ser uma das mais felizes da cidade.

Assim, já no meio da madrugada e sem que a música pare de estourar as caixas e os ouvidos do público (que quer é mais), Kurt Cobain seguia dando seu recado: “With the lights out it’s less dangerous / Here we are now, entertain us / I feel stupid and contagious / Here we are now, entertain us!”

O Matrix resistiu bravamente, por anos, à especulação imobiliária da Vila Madalena. Mas, infelizmente, não resistiu à pandemia, fechando suas portas em 2020.

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