MOCOTÓ
– O que você fez ontem?
– Fui ao Mocotó.
Pronto. Tudo o que é preciso informar sobre seu dia já está incluído nesta única frase. E todo o restante já pode ser subentendido.
Quando você diz a alguém que “foi ao Mocotó”, além de despertar o descontrole de suas papilas gustativas, você já está contando um dia completo, que só traz pequenas variáveis de pessoa para pessoa, mas que compreende um roteiro praticamente igual e obrigatório a todos.
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Esse roteiro, que vai da hora que você acorda já pensando no almoço até a hora que vai dormir ainda lembrando dele, é de conhecimento até mesmo daqueles que nunca foram ao Mocotó, pois tudo o que poderia ser dito sobre este lugarzinho, já foi dito.
Sabe-se, por exemplo, que você saiu cedo de casa e percorreu um bom pedaço do planeta para conseguir chegar lá antes do meio-dia e que, mesmo assim, encontrou uma multidão que já estava lá, sabe-se-lá desde quando, só para ficar na sua frente na fila.
Mesmo assim você ficou, já que aquela fila é diferente de todas as outras e praticamente faz parte do restaurante, sendo atendida com carinho e dedicação pelos garçons, que ali mesmo servem bebidas e petiscos que já valem o passeio.
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Foi nessa fila que você tomou aquelas caipirinhas espetaculares de três limões, de amora com uva verde, de manga com pimenta, de jabuticaba ou de frutas vermelhas. E foi ali que você caiu matando no queijo coalho com mel de engenho, nos torresminhos, na cumbuquinha de carne de panela, na linguiça flambada com cebola roxa e cachaça e, principalmente, nos dadinhos de tapioca com queijo coalho e molho de pimenta agridoce.
Depois de uma hora e meia nesse sacrifício, você entrou. Como a sede já era de anteontem, você pediu primeiro as cervejas. Logo depois, as cachacinhas propostas pelo sommelier de cachaças (pois é, lá tem isso) conseguiram lhe abrir novamente o apetite.
Então começou a difícil missão de escolher entre uma infinidade de comidas nordestinas, que ao contrário do que a pseudo-concorrência oferece por aí, chegam a ser até delicadas tamanho o esmero com que são preparadas.
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É claro que, mesmo assim, ninguém sai impune de pratos como favada, sarapatel, vaca atolada ou atolado de bode. É melhor se precaver e ficar no baião de dois, no feijão de corda ou nos escondidinhos. Melhor ainda é curtir a Costelinha de Porco, o Pirarucu Assado, a Panelinha do Seu Zé – um cozido de garrão com músculo, bacon, linguiça defumada e mandioca – ou a Paleta de Cordeiro do Velho Chico, devidamente acompanhada de cuscuz de milho.
Sabemos que a esta altura você já estava quase desmaiando na cadeira, mas ainda não queria ir embora. Mais algumas cervejas, talvez. Mas foi justo aí que você foi conhecer o Rodrigo e seu pai, o “Seu Zé Almeida”, e com eles toda a incrível história do Mocotó.
José Oliveira de Almeida, o Seu Zé, chegou em São Paulo no começo dos anos 60, vindo de Mulungu, no sertão pernambucano, e trabalhou em tudo que se possa imaginar até montar com dois irmãos, já nos anos 70, a “Casa do Norte Irmãos Almeida” e, logo depois, o Mocotó.
Rodrigo Oliveira, seu filho, é o responsável pela grande transformação da casa ocorrida a partir de 2004, quando assumiu o comando das panelas. Jovem, boa pinta, simpático e de uma incrível simplicidade em tudo o que faz, ele parece indiferente ao fato de ser um dos chefs mais premiados do país, num momento onde sua profissão virou quase sinônimo de estrelismo.
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Você sempre verá ambos por lá, atendendo clientes, orientando cozinheiros, criando novas receitas, batendo papo com amigos e ajudando os funcionários no que for preciso, confirmando suas próprias palavras no site da casa:
“Temos orgulho do nosso trabalho e dessa repercussão, mas não nos deslumbramos. A receita para manter uma casa por tanto tempo tem dois ingredientes: boa comida e hospitalidade. Mesmo parecendo simples, é algo que só se consegue com muita dedicação, talento e, acima de tudo, paixão”.
Antes de você conseguir ir embora, sabemos, não resistiu à sobremesa e encerrou o expediente com um creme brullé de doce de leite e umburana, com um pudim de tapioca ou com um sorvete de rapadura com calda de catuaba.
Finda a batalha – seja lá que hora isso tenha ocorrido – foi para casa e dormiu.
* Para acordar no dia seguinte, só com um bom Caldo de Mocotó.
Você vai tomando, suando e se animando. Consta que levanta até defunto.